Levirato na prática no livro de Rute

O Levirato em Rute

O livro de Rute, além de sua rica narrativa e mensagens teológicas, também oferece um contexto profundo sobre práticas culturais e legais judaicas, incluindo o levirato. Este estudo explora detalhadamente o levirato conforme apresentado em Rute, seu significado cultural e suas implicações teológicas.

Contextualização do Levirato na Cultura Hebraica

O levirato era uma prática cultural e legal entre os antigos israelitas, especificamente destinada a assegurar a continuidade da linhagem e proteger o patrimônio familiar em situações específicas, como a morte de um homem casado sem filhos masculinos.

De acordo com a Lei de Moisés, registrada em Deuteronômio 25:5-10, quando um homem morria sem deixar descendência masculina, seu irmão (ou parente próximo, como um tio) deveria casar-se com a viúva para gerar um filho que seria considerado legalmente como filho do falecido. Este filho herdaria o nome e os bens do falecido, assegurando assim a continuidade da linhagem e a proteção do patrimônio familiar.

O Levirato em Rute: Caso de Boaz e Rute

O livro de Rute apresenta uma narrativa fascinante que envolve o levirato. Rute era uma moabita, casada com Malom, um dos filhos de Elimeleque e Noemi, que migraram para Moabe devido à fome em Israel. Após a morte de Malom e seu irmão Quiliom, Noemi decide voltar para Israel, encorajando suas noras a permanecerem em Moabe. Rute, no entanto, escolhe ir com Noemi, afirmando seu compromisso com Deus e com o povo de Noemi (Rute 1:16-17).

Ao retornarem a Belém, Noemi e Rute enfrentam dificuldades econômicas e sociais. De acordo com a lei do levirato, Rute, como viúva de Malom, estaria elegível para ser casada com um parente próximo de Malom, a fim de garantir a continuidade da linhagem de seu falecido marido. Boaz, um parente próximo de Elimeleque e Malom, e um homem de respeito em Belém, emerge como um personagem central na história.

A Cena no Campo de Boaz (Rute 2-4)

Boaz demonstra sua bondade para com Rute permitindo que ela respigue nas suas terras (Rute 2:8-16), uma prática caridosa na lei de Moisés para apoiar os pobres e os estrangeiros. No entanto, é no capítulo 3 que vemos um desenvolvimento significativo relacionado ao levirato. Noemi instrui Rute a apresentar-se a Boaz no campo e, simbolicamente, pedir-lhe que assuma suas responsabilidades levirais (Rute 3:1-4).

Durante uma cena noturna no eira (uma área de debulha de grãos), Rute se apresenta a Boaz e pede-lhe para estender sua asa sobre ela, um gesto simbólico de aceitação do dever leviral (Rute 3:9). Boaz elogia a lealdade de Rute e promete resolver a questão do levirato, mas reconhece que há outro parente mais próximo que tem prioridade legal sobre ele (Rute 3:12-13).

No capítulo 4, Boaz resolve a questão de acordo com a lei do levirato. Ele confronta o outro parente próximo e apresenta a ele a oportunidade de redimir a propriedade de Elimeleque e assumir a responsabilidade pelo casamento com Rute (Rute 4:1-5). Quando o outro parente próximo recusa, Boaz assume a responsabilidade e se casa com Rute (Rute 4:9-10). Eles têm um filho, Obede, que se torna o avô do rei Davi (Rute 4:13-17).

Implicações Teológicas e Lições

  1. Proteção da Linhagem e Patrimônio: O levirato demonstra a preocupação de Deus com a continuidade da família e a preservação da herança familiar.
  2. Fidelidade e Lealdade: Tanto Boaz quanto Rute são elogiados por sua fidelidade e lealdade a Deus e ao próximo, valores centrais na ética bíblica.
  3. Cumprimento Profético: A história de Boaz e Rute também é vista como um precursor do cumprimento das promessas divinas, especialmente na linhagem real messiânica, culminando na descendência de Davi e, eventualmente, em Jesus Cristo.

Conclusão

O estudo do levirato em Rute não apenas enriquece nossa compreensão das práticas culturais e legais dos tempos bíblicos, mas também oferece insights teológicos profundos sobre a providência de Deus, a fidelidade humana e o cumprimento de seus propósitos através das vidas de indivíduos comprometidos como Rute e Boaz. Este episódio não só demonstra como a lei do levirato era aplicada na prática, mas também destaca seu papel na preparação do cenário para eventos significativos na história redentora de Israel.