O Peso do Trigo: A Escolha do Terceiro Selo
“E, havendo aberto o terceiro selo, ouvi o terceiro animal, dizendo: Vem, e vê. E olhei, e eis um cavalo preto, e o que sobre ele estava assentado tinha uma balança na mão.” (Apocalipse 6:5)
As semanas seguintes à fuga foram cruéis.
A Resistência se refugiava em cavernas, túneis abandonados, e postos secretos subterrâneos. Mas mesmo com toda a preparação, os estoques começaram a acabar.
Não chovia. A terra estava rachada, estéril. As plantações haviam sido confiscadas pela Nova Ordem.
Nos noticiários (que ainda chegavam aos rebeldes por transmissões piratas), o anúncio foi categórico:
“Devido à crise alimentar global, todo suprimento agrícola será redistribuído apenas aos cidadãos devidamente registrados no Sistema de Identidade Global.”
O cavalo preto havia galopado com fúria. A fome agora era a nova arma.
No interior de um bunker na floresta de Nova Esperança, Elias lia o texto de Apocalipse com voz embargada:
— “E ouvi uma voz do meio dos quatro animais, que dizia: Uma medida de trigo por um dinheiro, e três medidas de cevada por um dinheiro; e não danifiques o azeite e o vinho.”
Raquel murmurou:
— A comida se tornou moeda de escravidão.
Gabriel fechou o punho.
— Eles estão nos forçando a ceder. Nos empurrando para o limite.
Miguel olhou ao redor. Viu crianças com os olhos fundos, mães desesperadas e homens distribuindo gotas de água como se fossem ouro.
— Isso não vai durar — disse ele. — Precisamos fazer algo.
Samuel, o líder da Resistência, bateu no mapa com o punho.
— Há um comboio da Nova Ordem transportando grãos e suprimentos confiscados. Se o interceptarmos, conseguimos alimentar nossa base por semanas. Mas será arriscado. A segurança foi dobrada.
E então… a reunião foi silenciada por um olhar.
Lucas, até então calado, ergueu os olhos.
— Ou… aceitamos o cartão.
Todos se viraram em choque.
— O quê?! — gritou Ana.
Lucas continuou:
— Não estou dizendo para abandonar a fé. Mas talvez… alguém precise se infiltrar. Receber o registro. Fingir que se curvou. E então, trazer os recursos para os outros. Pode ser nossa única chance.
A sala gelou.
Elias se levantou, os olhos ardendo.
— Você quer vender sua alma para trazer pão ao corpo?
— Não! Eu só… — Lucas engoliu seco. — Eu só não quero ver crianças morrendo. Pessoas boas. Não podemos simplesmente… deixá-las definhar.
Miguel olhou para ele, pensativo. Havia algo ali. Um conflito legítimo.
Raquel sussurrou:
— E qual seria o preço disso, Lucas? E se você trouxer pão… e perder o céu?

O Dilema da Ceia Sem Trigo
Naquela noite, todos refletiram. Um por um, isolados em oração ou em silêncio.
Gabriel afiava sua faca no canto da sala, já decidido a ir no comboio com Samuel.
Miguel preparava uma nova edição de A Última Trombeta com a manchete: “A Fome Não é Motivo Para Idolatria.”
Ana lia o Salmo 37 em voz baixa:
“Fui moço e agora sou velho, mas nunca vi desamparado o justo, nem a sua descendência a mendigar o pão.”
Elias caminhava sozinho pela floresta, como costumava fazer nos seus tempos de pastor. Orava. Chorava. Suplicava.
E o Senhor respondeu com silêncio.
Até que ele caiu de joelhos e clamou:
— Senhor… me ajuda a conduzir esse povo. Me dá discernimento. Porque a fome já tirou o raciocínio de muitos… e está prestes a roubar a fé.
Quando ele voltou, já era manhã.
E havia uma decisão a ser tomada.
A Escolha Coletiva
Samuel reuniu todos no abrigo principal.
— O comboio parte em 12 horas. Precisamos de voluntários. Será uma missão arriscada.
Gabriel levantou a mão.
— Eu vou.
Ana, surpreendentemente, também ergueu a mão.
— Se tiver chance de resgatar dados da rota ou sabotar o sistema deles, posso ajudar. Sou boa com tecnologia.
Miguel hesitou.
— Não nasci pra lutar… mas posso registrar tudo.
E então, a pergunta pairou no ar como uma espada:
— E Lucas?
Todos olharam para ele.
Ele respirou fundo.
— Eu não vou me registrar. Mas quero ajudar. Se há outro jeito… se podemos vencer sem nos vender… então que venha a guerra.
E assim, a escolha foi feita.

O Dia em que o Pão Virou Prova
O comboio foi emboscado numa estrada deserta.
Houve luta. Sangue. Coragem.
Ana invadiu o sistema de rastreamento da Nova Ordem e liberou os bloqueios digitais.
Gabriel enfrentou dois soldados corpo a corpo.
Miguel filmou tudo — para que o mundo visse.
Ao final, o caminhão foi tomado.
Mas ao abrir a carroceria… uma surpresa.
Não era só comida.
Havia caixas com chips de registro.
Era uma armadilha.
— Eles queriam nos testar — murmurou Samuel. — Quem abriria mão da resistência por uma promessa de fartura?
E então, como se fosse uma cena bíblica, um velho irmão, magro e fraco, se ajoelhou ao lado da carroceria.
— Isso é o maná do Egito. Mas eu escolho passar fome com Cristo… do que comer do banquete de Faraó.
O grupo chorou.
Gabriel colocou fogo nas caixas dos chips.
E do alto da colina, Elias declarou:
— O Cavaleiro Preto trouxe a fome… mas também revelou quem somos.
Epílogo do Terceiro Selo
Naquela noite, um milagre.
Choveu.
Água em abundância.
E, ao lado da base da Resistência, brotou uma nascente antiga que havia sido soterrada por pedras há décadas.
Os joelhos se dobraram.
Não pelo medo.
Mas pela gratidão.
Porque, mesmo diante da fome…
Eles escolheram a fidelidade.
E o céu respondeu.
Mas o som de tambores ao longe… indicava que o próximo selo estava se abrindo.
E com ele, viria a Morte.