Parte 1: Quando o Mundo Pegava Fogo e a Igreja Dançava

“Se, pois, não vigiares, virei sobre ti como um ladrão, e não saberás a que hora sobre ti virei.” (Apocalipse 3:3)

A Igreja Central de Nova Esperança estava lotada naquele domingo à noite. O culto era vibrante, com holofotes girando pelo salão, telas gigantes transmitindo imagens do coral dançando, e uma banda de adoração com músicos profissionais liderando a congregação em um louvor contagiante.

O pastor Daniel Antunes (pastor titular da igreja) subiu ao púlpito com um sorriso seguro e um microfone reluzente preso ao rosto.

— Quantos estão prontos para o Arrebatamento?

A igreja explodiu em gritos e palmas.

— Glória a Deus! Porque não estaremos aqui quando as coisas ficarem feias! A Igreja do Senhor será levada antes da Tribulação!

Um coro de “Aleluia!” ecoou. As expressões no rosto dos fiéis eram de alívio e segurança.

Para muitos ali, as profecias do fim dos tempos eram uma preocupação… dos outros. Nada que afetaria suas vidas. Não para eles. Não para a Igreja.

Na primeira fileira, Lucas Almeida sorria enquanto gravava a pregação no celular. Ele era um dos responsáveis pelas mídias da igreja e gostava de capturar os melhores momentos para as redes sociais.

Ao seu lado, Raquel Barreto assistia, também sorrindo, mas com um leve incômodo no olhar. Ela sempre amou a Bíblia, sempre estudou escatologia, mas ultimamente, uma dúvida crescia dentro dela.

Daniel Antunes continuou.

— Meus irmãos, vocês já ouviram falar das guerras, das pestes, dos rumores de uma moeda única… Mas não precisamos nos preocupar! Isso é para quem vai ficar para a Tribulação!

Um “Amém!” atravessou o auditório.

— E sabe por que estamos seguros? Porque estamos na graça! Porque Deus jamais permitiria que seu povo passasse por isso!

As pessoas aplaudiram mais uma vez.

Mas ali, sentados no fundo, Gabriel Costa e Elias Vasconcelos trocavam olhares preocupados.

Gabriel, um policial acostumado a observar as ruas, sabia que algo estava errado com o mundo. E Elias, pastor aposentado, sentia um peso em sua alma que não conseguia explicar.

Mas naquela igreja cheia de alegria e festividades, ninguém parecia notar os sinais ao redor.

Os Sinais Ignorados

Nas semanas seguintes, os cultos se multiplicaram.

Havia a Noite da Provisão, onde promessas de bênçãos financeiras eram pregadas com fervor. Havia a Conferência Profética, onde pregadores de renome garantiam que “o próximo ano seria o ano do rompimento”.

O ministério de louvor lançou um novo álbum, e cada ensaio era acompanhado de uma estratégia de marketing digital. A igreja agora era referência na cidade!

Mas ninguém falava dos sinais.

Nos noticiários, a crise econômica global piorava.

No Oriente Médio, rumores de uma nova guerra cresciam.

A ONU debatia a implementação de um sistema financeiro unificado, enquanto uma doença misteriosa começava a se espalhar silenciosamente.

Mas na Igreja, tudo estava normal.

Elias, sempre atento aos acontecimentos, tentou falar com Daniel Antunes após um culto.

— Pastor, precisamos começar a preparar a igreja para o que está vindo.

— Preparar como? Elias, você sabe que o Arrebatamento pode acontecer a qualquer momento!

— Sim, mas e se não acontecer antes da Tribulação? E se estivermos interpretando errado?

Daniel sorriu, batendo no ombro de Elias.

— Meu amigo, não podemos viver no medo. O importante é manter o povo animado e cheio de fé.

Elias engoliu em seco.

— O povo precisa vigiar.

— O povo precisa confiar.

Foi a última conversa que tiveram.

Entretenimento ou Vigilância?

À medida que os meses passaram, os alertas ficaram mais evidentes.

Mas na Igreja, o foco era outro.

O grupo de jovens estava organizando uma conferência com shows gospel, convidados internacionais e efeitos especiais.

O ministério de casais estava promovendo um retiro em um resort de luxo.

O culto de domingo era transmitido em alta definição com produção profissional.

Tudo estava perfeito.

Mas Elias sabia que algo terrível estava para acontecer.

E numa noite silenciosa, em seu pequeno escritório na livraria, ele abriu sua Bíblia em Mateus 24:42: “Vigiai, pois, porque não sabeis a que hora há de vir o vosso Senhor.”

E suspirou.

Eles não estavam vigiando.

Estavam dançando à beira do abismo, enquanto o fogo do juízo se aproximava.

A Última Pregação

Um mês antes do colapso, Elias pediu uma última chance de pregar no culto de domingo.

Quando subiu ao púlpito, seus olhos estavam firmes, mas carregados de dor.

— Meus irmãos… eu temo que estejamos nos distraindo.

A congregação ficou em silêncio.

— Estamos vivendo um tempo crítico. O mundo está mudando diante dos nossos olhos, mas estamos tão preocupados em manter nossos eventos, nossos entretenimentos e nossa rotina confortável… que deixamos de vigiar.

Alguém tossiu.

— Jesus nos alertou que o fim dos tempos viria com sinais evidentes. Mas nós os ignoramos, porque acreditamos que não estaremos aqui para ver isso.

Daniel Antunes, sentado na cadeira pastoral, cruzou os braços.

— Mas e se estivermos errados? E se tivermos que enfrentar a Tribulação? Será que nossa fé está pronta?

A inquietação cresceu entre os fiéis.

Lucas e Raquel se entreolharam.

Gabriel apertou os punhos.

Elias finalizou:

— Se estamos certos, então nada disso importa. Mas se estamos errados… não estamos prontos.

O silêncio era absoluto.

Mas ao final do culto, Daniel Antunes subiu ao púlpito novamente e reafirmou sua interpretação teológica.

A igreja aplaudiu.

E a vida seguiu.

Até que o mundo explodiu em caos.

SÉRIE: SETE SELOS, SETE ESCOLHAS → LEIA A PARTE 2: O ÚLTIMO DIA NORMAL