A abertura do Evangelho de João é, sem dúvida, uma das declarações mais sublimes da cristologia bíblica:
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.” (João 1:1, ARA)
Trata-se de um versículo densamente teológico, que exige do leitor atenção aos detalhes exegéticos, às nuances da língua grega e ao pano de fundo histórico-religioso. Vamos acessar uma exposição profunda do termo Logos, sua importância na teologia joanina e sua aplicação prática na formação espiritual dos cristãos.
- O Significado de Logos
O termo “Verbo” traduzido do grego λόγος (lógos) é rico em significado e não pode ser reduzido a uma simples “palavra”. Na filosofia grega, logos expressava a razão cósmica que organizava o universo. No pensamento hebraico, remetia à palavra criadora de Deus (Salmo 33:6) e à sabedoria divina (Pv 8:22-31).
João, inspirado pelo Espírito Santo, toma esse conceito e o eleva ao máximo:
Logos não é uma ideia, é uma Pessoa. O Logos é eterno, pessoal e divino.

Três afirmações teológicas cruciais em João 1:1:
a) “No princípio era o Verbo”. O verbo “era” (ἦν – ēn) está no tempo imperfeito, indicando existência contínua no passado. João quer afirmar que, quando o tempo começou, o Verbo já existia. Não se trata de uma criação, mas de uma existência eterna (cf. Mq 5:2; Cl 1:17).
b) “O Verbo estava com Deus”. A preposição πρός (pros) sugere proximidade e relacionamento. O Verbo coexistia com Deus em íntima comunhão, o que reforça a distinção de pessoas dentro da Trindade.
c) “O Verbo era Deus”. Aqui João afirma sem rodeios a divindade do Verbo. A construção grega não traz o artigo definido antes de “Deus” (θεός – theós), indicando que o Logos possui a essência divina, mas não é idêntico ao Pai. Isso é base para a doutrina da Trindade: um só Deus em três Pessoas coiguais e coeternas.
- O Logos como Agente da Criação. João 1:3 declara:
“Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez.”
Essa afirmação ecoa Gênesis 1, onde Deus cria por meio da palavra (“Disse Deus…”). O Logos é o agente divino da criação, assim como afirmado em:
Colossenses 1:16-17 – “Tudo foi criado por ele e para ele.”
Hebreus 1:2 – “…por quem também fez o mundo.”
Portanto, o Logos é eterno, divino, distinto do Pai e Criador de todas as coisas. Ele não é um ser criado, mas Aquele por quem tudo veio a existir.

- O Logos como Revelação Suprema de Deus
João apresenta o Logos como o meio através do qual Deus se comunica com a humanidade. O mesmo Deus que falou aos pais por meio dos profetas (Hb 1:1-2), agora fala por meio de Seu Filho, o Logos encarnado.
- A Palavra é:
- Criadora (Jo 1:3)
- Iluminadora (Jo 1:4,9)
- Reveladora (Jo 1:18)
- Salvadora (Jo 1:12)
A revelação de Deus não é apenas auditiva, mas encarnacional. O Logos se fez carne (Jo 1:14), e isso encerra qualquer possibilidade de conhecermos a Deus fora de Cristo.
- Aplicações para a Escola Dominical e para a Igreja
a) Cristologia sólida forma discípulos saudáveis
Professores da EBD devem ter clareza de que o fundamento da fé cristã está na pessoa de Jesus como Deus eterno e encarnado. Ensinar o Logos eterno evita heresias antigas (como o arianismo ou o modalismo) que ainda confundem muitos hoje.
b) Evangelismo centrado em Cristo e não em experiências
João escreveu “para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que crendo, tenhais vida em seu nome” (Jo 20:31). A exposição bíblica deve conduzir os alunos a essa fé profunda no Cristo eterno e salvador, e não a uma fé baseada em sentimentos passageiros.

c) Ensino bíblico que confronta o relativismo atual
Em tempos em que a verdade é subjetiva, afirmar que o Logos é a verdade eterna e imutável (Jo 1:14,17; 14:6) é um ato profético. A Escola Dominical precisa reafirmar que Jesus é a revelação final e absoluta de Deus.
d) Valorização das Escrituras como Palavra de Deus
Se Jesus é o Logos, e as Escrituras testificam dele (Jo 5:39), então ensinar a Bíblia é dar voz ao próprio Deus. Professores que compreendem isso não se contentam em “preencher o tempo da aula”, mas buscam transmitir o coração de Deus aos alunos.
Conclusão
João 1:1 não é apenas uma introdução literária ao Evangelho, mas uma declaração teológica que transforma tudo. O Logos é eterno, divino, criador e revelador. Ele é Jesus, o Verbo encarnado.
A teologia do Logos é essencial para uma cristologia fiel às Escrituras e para uma igreja que deseja permanecer na verdade. Que os professores da Escola Dominical ensinem com paixão e profundidade esse sublime mistério:
“E o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.” (Jo 1:1)