Introdução
O Monotelismo, uma heresia cristológica do século VII, afirmava que Jesus Cristo possuía apenas uma vontade (mono = uma; thelesis = vontade), negando assim a plenitude de Sua humanidade. Essa doutrina foi rejeitada pela ortodoxia cristã, que defende a existência de duas vontades em Cristo: uma divina e outra humana.
Origens e Contexto Histórico do monotelismo
O Monotelismo surgiu em um período de intensa controvérsia teológica, após o Concílio de Calcedônia (451 d.C.), que afirmou a dualidade de naturezas em Cristo: plenamente Deus e plenamente homem, sem confusão, sem mudança, sem divisão e sem separação. No entanto, algumas igrejas, especialmente no Oriente, resistiram a essa definição, levando a tensões políticas e religiosas.
No século VII, o imperador bizantino Heráclio, buscando unificar o império e reconciliar as igrejas, apoiou a ideia de que Cristo, embora tivesse duas naturezas, possuía apenas uma vontade. Essa posição foi promovida pelo patriarca Sérgio de Constantinopla e ganhou adeptos, mas também enfrentou forte oposição de teólogos como Máximo, o Confessor, e o papa Martinho I.

Implicações Teológicas do Monotelismo
A doutrina monotelista minava a integridade da humanidade de Cristo. Se Jesus não possuía uma vontade humana distinta da vontade divina, Sua humanidade seria incompleta. Isso teria implicações profundas para a soteriologia (doutrina da salvação), pois a redenção humana depende de Cristo ter assumido plenamente a natureza humana, incluindo a vontade, para poder redimi-la.
Além disso, o Monotelismo comprometia a doutrina da Trindade, pois sugeria que a vontade divina em Cristo era separada da vontade do Pai e do Espírito Santo, contradizendo a unidade essencial das três pessoas da Trindade.
Refutação Bíblica ao Monotelismo
A Bíblia apresenta evidências claras de que Jesus Cristo possuía duas vontades. Em Sua humanidade, Jesus expressou uma vontade humana distinta da vontade divina, mas sempre em perfeita harmonia com ela. Vamos explorar algumas referências bíblicas que refutam o Monotelismo:
- A Oração no Getsêmani (Mateus 26:39) “Meu Pai, se é possível, passa de mim este cálice; todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres.” Neste momento de angústia, Jesus expressa uma vontade humana genuína: o desejo de evitar o sofrimento e a morte. No entanto, Ele submete essa vontade humana à vontade divina do Pai. Isso demonstra a existência de duas vontades operando em harmonia, mas distintamente. Se Jesus tivesse apenas uma vontade, essa oração não faria sentido, pois não haveria conflito interno ou submissão.
- A Submissão à Vontade do Pai (João 6:38) “Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou.” Aqui, Jesus distingue claramente entre Sua vontade humana e a vontade divina do Pai. Ele veio para cumprir a vontade do Pai, o que pressupõe a existência de uma vontade humana que é subordinada à vontade divina. Se Jesus tivesse apenas uma vontade, essa distinção seria desnecessária.
- A Obediência Aprendida (Hebreus 5:8) “Embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu.” Este versículo indica que Jesus, em Sua humanidade, aprendeu a obedecer através do sofrimento. A obediência pressupõe a existência de uma vontade humana que é submetida à vontade divina. Se Jesus tivesse apenas uma vontade, não haveria necessidade de aprender a obedecer, pois Sua vontade seria automaticamente alinhada com a do Pai.
- A Tentação no Deserto (Mateus 4:1-11) Durante a tentação no deserto, Jesus foi tentado pelo diabo a agir de acordo com Sua vontade humana (transformar pedras em pão, lançar-Se do pináculo do templo, adorar Satanás em troca dos reinos do mundo). No entanto, Jesus resistiu a essas tentações, submetendo Sua vontade humana à vontade divina. Isso demonstra a existência de duas vontades em Cristo.
- A Declaração de Unidade com o Pai (João 10:30) “Eu e o Pai somos um.” Embora este versículo enfatize a unidade essencial entre Jesus e o Pai, ele não nega a distinção de vontades. A unidade aqui é de propósito e natureza, não de vontade. Jesus tinha uma vontade humana que estava em perfeita harmonia com a vontade divina, mas ainda assim distinta.

Refutação Teológica ao monotelismo
A teologia cristã histórica, conforme definida pelos concílios ecumênicos, rejeitou o Monotelismo. O Terceiro Concílio de Constantinopla (680-681 d.C.) condenou formalmente essa heresia, afirmando que Cristo possui duas vontades naturais e duas operações naturais, divina e humana, sem divisão, separação ou confusão.
A doutrina das duas vontades é essencial para a integridade da encarnação. Se Cristo não tivesse uma vontade humana, Ele não poderia ter sido verdadeiramente humano, e Sua obra redentora estaria comprometida. A vontade humana de Cristo, embora distinta, estava sempre em perfeita submissão à vontade divina, exemplificando a obediência que Adão falhou em cumprir.
Além disso, a doutrina das duas vontades reflete a união hipostática, a união das duas naturezas de Cristo em uma única pessoa. A vontade é uma propriedade da natureza, não da pessoa. Portanto, como Cristo possui duas naturezas, Ele deve possuir duas vontades.
Conclusão
O Monotelismo, embora aparentemente uma tentativa de simplificar a complexidade da natureza de Cristo, acabou por comprometer a integridade de Sua humanidade e a eficácia de Sua obra redentora. A refutação bíblica e teológica dessa heresia é clara: Jesus Cristo, como verdadeiro Deus e verdadeiro homem, possuía duas vontades, divina e humana, que operavam em perfeita harmonia. Essa verdade é fundamental para a fé cristã e para a compreensão da salvação que nos foi oferecida por meio de Cristo.
A ortodoxia cristã, ao defender a dualidade de vontades em Cristo, preserva a plenitude da encarnação e a esperança da redenção humana. Que essa reflexão nos leve a um maior apreço pela profundidade do mistério de Cristo e pela sabedoria da doutrina cristã histórica.