A VERDADEIRA ADORAÇÃO
COMENTÁRIO EXEGÉTICO PROFUNDO
Leitura Bíblica em Classe – JOÃO 4:5-7,9,10, 19-24
JOÃO 4:5 – “Foi, pois, a uma cidade de Samaria, chamada Sicar, junto da herdade que Jacó tinha dado a seu filho José.”
Contexto Histórico, Cultural e Geográfico. Este verso é uma ponte entre alianças, identidades e tensões centenárias.
SAMARIA: Terra de Conflito e Mestiçagem Religiosa. Samaria foi a capital do reino do Norte (Israel), fundada por Onri (1 Rs 16:24). Após o exílio assírio (722 a.C.), os povos remanescentes em Israel foram misturados com estrangeiros, criando os samaritanos – um povo com práticas religiosas híbridas (2 Rs 17:24-33). Isso gerou profundo desprezo por parte dos judeus da Judeia, que viam os samaritanos como heréticos e impuros. A hostilidade mútua era tão intensa que um judeu piedoso preferia dar uma volta pelo Jordão a passar por Samaria. Mas Jesus… passa por lá. Isso já diz muito!
Sicar: Herança Patriarcal e Fonte de Tensão. Sicar é provavelmente a mesma cidade chamada Siquém, ou próxima a ela, localizada entre o monte Ebal e o monte Gerizim, onde eventos marcantes aconteceram:
- Deus apareceu a Abraão em Siquém (Gn 12:6-7).
- Jacó comprou ali um campo e cavou um poço (Gn 33:18-20).
- José foi sepultado nesta região (Js 24:32).
- Gerizim era considerado o “monte santo” pelos samaritanos.
Portanto, Sicar representa território sagrado disputado entre judeus e samaritanos. E é nesse solo — literalmente carregado de herança, promessas e feridas — que Jesus senta e espera uma mulher.
PALAVRAS-CHAVE NO GREGO
1. Συχάρ (Sychár) – “Sicar”. Este nome grego translitera um local histórico e sagrado. A etimologia pode trazer ecos de “mentira” ou “embriaguez“, o que gerou debates entre estudiosos. Para alguns judeus, o nome era usado pejorativamente (baseado em Is 28:1) para ridicularizar os samaritanos. Assim, o evangelho pode estar carregando aqui um tom irônico proposital, mostrando que Jesus vai justamente a esse lugar desprezado. Jesus visita até mesmo os lugares “ridicularizados” pelos religiosos da época. Sua graça transpassa rótulos culturais.
2. κληρονομία (klēronomía) – “herança”. Embora a palavra “herança” não esteja diretamente no grego do verso (e sim “campo/herdade” – χωρίον, chōríon), a ideia teológica subentendida é a de transmissão de bênção e promessa, como aquilo que Jacó deu a José. Isso evoca a continuidade da aliança, onde Jesus, o Filho de Deus, pisa no solo da herança patriarcal, agora reinterpretada à luz do novo pacto.
- Este versículo não é apenas um prólogo geográfico: ele é profético e intencional.
Jesus, o verdadeiro herdeiro da promessa feita a Abraão, não evita Samaria como os fariseus fariam. Pelo contrário, Ele vai ao encontro de uma mulher samaritana, num poço que carrega memórias patriarcais. O que está em jogo?
- Ele está reivindicando a herança de José, não como propriedade territorial, mas como redenção universal.
- Ele escolhe um local com memória, divisão e dor para manifestar graça, unidade e cura.
- Ele rompe barreiras étnicas, teológicas, sociais e morais ao escolher esse cenário como palco de revelação messiânica.
Deus não nos encontra apenas em Jerusalém (símbolo do culto oficial), mas também em Samaria — na região da confusão, do passado misturado, das feridas antigas. Em Sicar, Jesus revela que a verdadeira adoração não está ligada a montes, mas ao espírito e à verdade (Jo 4:23).
Jesus em Território de Conflito
João 4:5 nos mostra Jesus como o reconciliador da história. Ele pisa onde há divisão para semear reconciliação. Ele transforma a antiga herança de Jacó em fonte de água viva, indo além da história física para oferecer vida eterna (Jo 4:14). Ele não apenas passa por Samaria. Ele a redime.

JOÃO 4:6 – “E estava ali a fonte de Jacó. Jesus, pois, cansado do caminho, assentou-se assim junto da fonte. Era isso quase à hora sexta.”
Contexto Histórico e Geográfico.
Fonte de Jacó. Localizada próxima a Siquém (ou Sicar), a chamada “fonte de Jacó” é uma cisterna profunda escavada na rocha, diferente de uma nascente. Ela foi cavada, segundo a tradição judaica, por Jacó ao comprar um campo em Canaã (Gn 33:19), e é reverenciada por judeus e samaritanos. Essa fonte é um símbolo de continuidade da aliança e de cuidado providencial, pois garantiu sustento em tempos áridos. Ali, onde Jacó ofereceu água natural ao seu povo, Jesus oferece água viva ao mundo.
Hora sexta (meio-dia). Na tradição judaica, o dia começa às 6h da manhã, então a hora sexta corresponde ao meio-dia — horário de calor intenso. É significativo que a mulher venha buscar água nesse horário incomum: provavelmente para evitar julgamentos. Jesus, por sua vez, está sentado, cansado e esperando, à vista de todos, quebrando protocolos e preparando um encontro transformador.
PALAVRAS-CHAVE NO GREGO
1. κεκοπιακὼς (kekopiakōs) – “cansado”. Vem do verbo κοπιάω (kopiáō), que significa “estar fatigado, esgotado por esforço, labutar com fadiga”. Esse termo revela o Jesus verdadeiramente humano, que sente sede, cansaço e calor. Aqui vemos o Logos eterno (Jo 1:1) não em um trono, mas sentado à beira do caminho, compartilhando do fardo humano.
Essa palavra sublinha a encarnação real: Jesus não é apenas um mensageiro divino — Ele é Deus que se cansa como homem (Hb 4:15). E isso o qualifica para ser nosso sumo sacerdote compassivo.
2. ἐκάθητο (ekathēto) – “assentou-se”. Verbo usado no imperfeito, indicando uma ação contínua: “estava assentado”. Isso mostra que Jesus não estava de passagem, mas decidiu permanecer ali. Sua ação é deliberada: Ele se posiciona onde o encontro acontecerá. Essa palavra ressalta a postura de espera de Jesus, como o Mestre que se coloca disponível para os cansados, marginalizados e sedentos da alma.
Jesus cansado? Sentado? Ao meio-dia? Isso não é acaso.
- Jesus se esvazia da glória (Fp 2:6-8) e se deixa atingir pelo cansaço humano. Seu ministério não é feito apenas com milagres e glória, mas também na poeira da estrada, no limite físico do corpo.
- Ele se posiciona num lugar estratégico, próximo da fonte, porque ali acontecerá um dos encontros mais revolucionários do Evangelho: com uma mulher samaritana marginalizada.
- A “hora sexta” carrega um simbolismo poderoso: é o meio do dia, hora da revelação total — o sol está em seu zênite. Jesus, luz do mundo (Jo 8:12), brilhará nesse momento, não apenas revelando a vida da mulher, mas oferecendo uma nova identidade a ela.
Jesus não se senta apenas em tronos celestiais — Ele se assenta no meio do nosso cansaço. Onde há fadiga, sede e solidão, Ele já está ali, esperando-nos junto ao poço. Ele não se esconde da dor, mas entra nela conosco, oferecendo vida em meio ao desgaste.
O Deus que Espera no Calor do Dia. João 4:6 é um texto silenciosamente poderoso. Ele nos mostra que Jesus é o Deus encarnado que se cansa, que se senta, que espera e que se revela — não no templo, mas à margem; não entre doutores, mas diante de uma mulher considerada desprezível.
- O cansaço de Jesus não é fraqueza. É compaixão.
- O assento à beira do poço não é repouso. É estratégia divina.
- A hora sexta não é rotina. É o tempo perfeito da graça.

JOÃO 4:7 – “Veio uma mulher de Samaria tirar água. Disse-lhe Jesus: Dá-me de beber.”
PALAVRAS-CHAVE NO GREGO
1. ὕδωρ (hýdōr) – “água”. Trata-se da palavra grega comum para água, mas no Evangelho de João ela é carregada de significado espiritual e simbólico. Embora a mulher venha buscar água física, Jesus, em poucos versos, transformará o sentido dessa palavra para falar da água viva (v. 10).
O termo antecipa o contraste entre o que é temporal e material (água do poço) e o que é eterno e espiritual (água que brota para a vida eterna – Jo 4:14). Jesus sempre começa no plano físico para conduzir ao espiritual.
2. πῖν (pīn) – “beber”. Este é o infinitivo do verbo πίνω (pínō), “beber”. A simplicidade da ação contrasta com a grandeza do momento. Jesus, o Filho de Deus, pede de beber à mulher — Ele, que é a fonte da vida, se apresenta como necessitado, invertendo as expectativas humanas.
Isso revela uma teologia do esvaziamento (kenosis) — Jesus se submete à sede física para abrir um diálogo redentor com alguém improvável.
Este pedido inaugura o movimento da graça que se rebaixa, como em Filipenses 2:7: “mas esvaziou-se a si mesmo…”
Aplicação Teológica
João 4:7 contém uma poderosa teologia da aproximação. O pedido de Jesus não é apenas uma questão prática é um convite implícito à comunhão.
A iniciativa é Dele
- A mulher não se dirige a Jesus. É Ele quem toma a iniciativa, como sempre ocorre na salvação (cf. João 15:16).
- Jesus atravessa barreiras sociais, religiosas e morais para se encontrar com ela. E mais: Ele começa pedindo, não impondo.
Ele pede o que ela tem, para depois oferecer o que ela precisa
- Jesus inicia com um pedido humano: “Dá-me de beber”.
- Mas em breve fará uma oferta divina: “Se tu conheceras o dom de Deus…” (v. 10).
- Esse padrão de Jesus se repete com frequência: Ele parte da carência do interlocutor para revelar sua suficiência.
Uma prévia do ministério aos gentios. A mulher samaritana representa um povo religiosamente misturado, excluído do culto em Jerusalém, mas alvo do amor de Cristo. Este verso é um raio antecipado da missão universal da Igreja, como depois em Atos 1:8: “sereis minhas testemunhas… até os confins da terra”.
Em João 4:7, Jesus nos mostra que até os pedidos dEle são instrumentos de graça. Ele pede não porque precisa, mas porque deseja conversar, tocar e transformar. Ele pede de beber para dar de beber. O evangelho começa quando percebemos que Deus nos encontra onde estamos, e se comunica na nossa linguagem, no nosso cotidiano. E às vezes, Ele começa pedindo algo simples, só para nos levar a uma revelação profunda.

JOÃO 4:9 – “Disse-lhe, pois, a mulher samaritana: Como, sendo tu judeu, me pedes de beber, a mim, que sou mulher samaritana? (porque os judeus não se comunicam com os samaritanos).”
Essa fala é carregada de choque, tensão e escândalo. Para entender isso, precisamos abrir as páginas do judaísmo intertestamentário e dos escritos samaritanos.
1. Ἰουδαῖος (Ioudaíos) – “judeu”. A mulher não chama Jesus de “mestre”, “rabino” ou “senhor”. Ela o identifica por sua etnia e religião. Este termo é mais do que um marcador étnico — é um símbolo de separação, de quem não deveria se dirigir a uma samaritana, ainda mais mulher.
A palavra expõe o abismo entre identidade religiosa e ação messiânica. Jesus é identificado por sua origem, mas logo será revelado por sua missão redentora universal, que transcende qualquer etnia ou religião.
2. συγχρῶνται (synchrôntai) – “não se comunicam”. Verbo raro no Novo Testamento. Deriva de συγ-χράομαι, que significa literalmente “usar juntos”, “compartilhar utilidades”, e por extensão: associar-se, manter relações com. O termo usado aqui não é apenas “não conversam”, mas “não se associam, não compartilham nada” — é um rompimento total de convivência.
O parêntese no texto (“porque os judeus não se comunicam…”) é provavelmente um comentário editorial de João para leitores não familiarizados com o contexto, e ressalta o absurdo da interação proposta por Jesus.
Fatos que culminaram neste conflito de gerações
1. ORIGEM DO CONFLITO: O CISMA DO REINO. Após a divisão do Reino de Israel (1 Rs 12), dez tribos se rebelaram contra a Casa de Davi, formando o Reino do Norte (Israel), com capital em Samaria. Esse reino, por razões políticas e religiosas, abandonou Jerusalém como centro de culto e construiu altares rivais, como o de Betel e Dã (1 Rs 12:28-33). Mais tarde, a queda de Samaria pelos assírios (722 a.C.) resultou em uma miscigenação entre os israelitas restantes e povos gentios, promovida pelos próprios assírios (2 Rs 17:24-41). Aos olhos dos judeus do sul, os samaritanos se tornaram apóstatas, impuros e bastardos religiosos.
2. ENSINOS JUDAICOS SOBRE OS SAMARITANOS. Mishná (oralidade farisaica transformada em lei escrita). Alguns trechos rabínicos mostram a desconfiança extrema contra samaritanos:
- Mishná, Niddah 4:1 – Os samaritanos eram considerados ritualmente impuros como os gentios.
- Mishná, Shevi’it 8:10 – Alimentos samaritanos eram proibidos por causa de suposta impureza.
- Talmude Babilônico – Alguns rabinos discutiam se era permitido ou não comer o pão de um samaritano.
- Resumo rabínico: samaritanos não eram considerados judeus legítimos. O contato com eles causava impureza cerimonial.
- Em outras palavras: um judeu piedoso não compartilhava utensílios, água, comida, ou mesmo palavras com um samaritano. (Exatamente o que Jesus faz aqui).
3. OS ESCRITOS SAMARITANOS E A REJEIÇÃO MÚTUA. Os samaritanos tinham sua própria Torá (o Pentateuco Samaritano), com algumas diferenças textuais notáveis:
- Eles consideravam o Monte Gerizim (e não Jerusalém) como o lugar legítimo de adoração (cf. Dt 27:4–6 na Torá samaritana).
- Rejeitavam totalmente os profetas e escritos dos judeus, considerando-os corrompidos.
- Além disso, construíram seu próprio templo no Monte Gerizim no século IV a.C. Esse templo foi destruído por João Hircano (judeu, neto de Judas Macabeu) em 128 a.C., o que acentuou ainda mais o ódio.
- Alguns escritos samaritanos chamam os judeus de mentirosos, blasfemadores e falsificadores da fé mosaica.
4. UM ÓDIO RELIGIOSO E INSTITUCIONALIZADO.
- Judeus chamavam samaritanos de “goim” (gentios) ou “kutim”, numa referência pejorativa aos estrangeiros que invadiram Samaria.
- Samaritanos viam os judeus como idólatras por adorarem em Jerusalém — um local, segundo eles, nunca ordenado por Deus.
Não era apenas aversão cultural. Era um ódio litúrgico, escatológico e existencial. Em Lucas 9:52-53, uma aldeia samaritana recusa receber Jesus porque Ele ia para Jerusalém. Isso mostra como o templo era a pedra de tropeço.
JESUS QUEBRA TUDO — ABSOLUTAMENTE TUDO!
- Jesus fala com um samaritano. Isso já era escandaloso. Um judeu piedoso jamais faria isso sem se tornar “impuro”.
- Jesus fala com uma mulher samaritana. Mulheres não eram contadas nem como testemunhas legais no judaísmo da época. Jesus quebrou o preconceito de gênero e etnia.
- Jesus pede de beber no utensílio dela. Isso implicava contaminação ritual. Ele não só fala com ela, mas quer compartilhar o copo!
Em resumo:
- Jesus rompe os tabus raciais, cerimoniais, teológicos e sociais — tudo em uma única frase.
- O que os séculos ergueram, Jesus destrói com um simples pedido: “Dá-me de beber.”
- A cruz começa aqui — no rompimento com os sistemas de exclusão. João 4:9 é um anúncio em miniatura daquilo que Efésios 2:14 vai declarar em alta voz: “Porque Ele é a nossa paz, o qual de ambos fez um; e, derrubando a parede de separação que estava no meio…”
Essa mulher representa todos os que foram excluídos pelo sistema religioso. E o que ela ouve não é julgamento, mas diálogo. O Cristo que viria a morrer pelos pecados do mundo começa sua missão universal com um copo d’água e uma conversa improvável.

JOÃO 4:10 – “Jesus respondeu, e disse-lhe: Se tu conheceras o dom de Deus, e quem é o que te diz: Dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva.”
Este verso é uma joia da revelação progressiva. Jesus não responde diretamente ao choque da mulher (v. 9), mas o transcende com graça e verdade.
- Ele não debate sobre etnia.
- Ele não responde com dogma.
- Ele convida ao conhecimento — um conhecimento que não é apenas intelectual, mas vivencial e transformador.
Este verso marca a virada do diálogo: o Messias começa a conduzir a mulher para fora das águas rasas da desconfiança religiosa e para dentro do oceano da revelação espiritual. Aqui aparece, pela primeira vez, a expressão “água viva” na boca do Salvador.
PALAVRAS-CHAVE NO GREGO
1. δωρεὰν τοῦ Θεοῦ (dórean tou Theou) – “dom de Deus”. A palavra δωρεά (dórea) refere-se a um presente gratuito, espontâneo, generoso, sem qualquer mérito do receptor. É diferente de “μισθός” (misthós), que é “salário” ou recompensa.
Este termo aparece também em textos como:
- Atos 2:38 – “e recebereis o dom do Espírito Santo”
- Efésios 2:8 – “pela graça sois salvos… e isso não vem de vós, é dom de Deus.”
Em João 4, o “dom de Deus” é a própria presença de Cristo, com a oferta de salvação. É Deus oferecendo-se a Si mesmo, não em troca de algo, mas por graça absoluta.
- A mulher pensa em baldes. Jesus fala de bênçãos.
- Ela entende esforço. Ele anuncia dádiva.
2. ζῶν (zōn) – “viva” (referente a “água viva”). Adjetivo do verbo ζάω (záō) viver, estar em movimento, possuir vida. Aqui, água viva não significa apenas “água corrente” (de nascente, oposta à estagnada), mas água que possui vida e comunica vida.
No contexto joanino, esse termo vai muito além da linguagem figurada — ele aponta para a vida do Espírito:
- João 7:38-39 – “rios de água viva correrão do seu ventre… referia-se ao Espírito Santo.”
- Apocalipse 22:1 – “rio da água da vida, claro como cristal…”
Esta água simboliza a nova vida de Deus em ação, que jorra, flui e transforma. Jesus é o portador dessa água, não apenas o anunciante. Ele é a fonte (cf. Jo 7:37).
A resposta de Jesus em João 4:10 é um convite velado à revelação.
“Se tu conheceras…” é quase um sussurro de Deus à alma humana.
Ele está dizendo à mulher: “Você está diante do maior dom da história e nem percebe.“
Vamos analisar:
“Se tu conheceras o dom de Deus…” Jesus inicia com uma condição hipotética – um lamento velado. Ele está diante de alguém que está próxima da fonte, mas sedenta. É a tragédia da religião sem revelação, do ritual sem relação.
Essa frase revela um ponto crítico da teologia joanina: O problema do mundo não é a ausência de Deus, mas a ignorância quanto à sua presença.
“…e quem é o que te diz…” Ela sabe o rótulo (v.9): “judeu”. Mas não conhece a identidade real daquele que fala com ela. João trabalha com esse motivo o tempo todo: Jesus fala com as pessoas como Deus, mas elas não o reconhecem (João 1:10-11). Jesus se apresenta não com imposição, mas com auto-revelação progressiva. Primeiro um homem, depois um judeu, depois um profeta, e então… o Messias.
“…tu lhe pedirias, e ele te daria…” Aqui, Jesus inverte a lógica da conversa: Ela achava que era Ele quem precisava dela (água). Mas na verdade, ela precisava dEle (vida). A verdadeira oração começa quando entendemos quem está diante de nós. A súplica não é mais forçada. É natural. Se ela o reconhecesse, pediria — e receberia, pois, Ele dá. Ele é constantemente doador. A fonte não seca.
João 4:10 é uma chave teológica para todo o capítulo e para o Evangelho como um todo.
- A revelação é oferecida: o dom está à disposição.
- O reconhecimento é necessário: saber “quem é” muda tudo.
- O recebimento é garantido: “ele te daria”.
O Deus que pediu de beber agora oferece a beber. O Cristo que parecia sedento se revela como a fonte inesgotável da água da vida. A mulher ainda não entendeu, mas acabou de ser evangelizada com uma frase.

JOÃO 4:19 – “Disse-lhe a mulher: Senhor, vejo que és profeta.”
PALAVRAS-CHAVE NO GREGO
1. κύριε (kýrie) – “Senhor”. Este termo pode significar desde um respeitoso “senhor” humano (como “senhor meu” ou “senhor nobre”) até a designação divina para o próprio Deus, dependendo do contexto. Aqui, ela eleva o tratamento anterior (antes o chamou apenas de “judeu”) para uma posição de honra e autoridade espiritual.
Esse uso do termo prepara o caminho para a revelação posterior de Jesus como Messias (v. 26). Ela ainda não sabe quem Ele é plenamente, mas já reconhece que não está diante de um homem comum.
2. προφήτης (prophḗtēs) – “profeta”. Este é o ponto mais alto, até agora, da percepção espiritual da mulher. O termo profeta, no mundo judaico-samaritano, evocava não apenas alguém que falava em nome de Deus, mas alguém que conhecia segredos ocultos e falava com discernimento divino.
Ao dizer isso, a mulher está se referindo à capacidade sobrenatural de Jesus revelar detalhes de sua vida (v. 17-18) algo que ela reconhece como característica de um verdadeiro profeta.
Importante notar: os samaritanos esperavam um profeta semelhante a Moisés (cf. Deuteronômio 18:15), chamado de Taheb (“o Restaurador”) e não exatamente o “Messias davídico” dos judeus. Portanto, ao chamá-lo de profeta, ela pode estar se aproximando — mesmo que sem perceber da sua própria concepção messiânica.
Aplicação Teológica
1. A reação ao confronto de verdade. Os versos anteriores (João 4:16-18) revelam uma conversa que tocou a ferida exposta da mulher: seus cinco maridos e o atual relacionamento fora do casamento. Em vez de negar, fugir ou confrontar, ela reconhece algo especial em Jesus.
Esse é um padrão da verdadeira conversão:
- Jesus revela a verdade desconfortável,
- A alma reconhece a autoridade daquele que fala.
- O pecado, quando exposto pelo Espírito, não é para humilhar, mas para conduzir à luz.
2. A progressão da revelação. A fala “vejo que és profeta” é um passo. Ainda que incompleto, é sincero.
- Primeiro, judeu (v. 9)
- Agora, profeta (v. 19)
- Logo, Messias (v. 25-26)
João 4 nos ensina que Deus se revela em estágios, conforme o coração vai se abrindo. A revelação divina é progressiva, mas sempre provocada por verdade e graça.
3. A forma respeitosa diante da confrontação
Observe: a mulher não entra em modo defensivo. Ela chama Jesus de “Senhor” e reconhece nele um “profeta”. Isso mostra que quando o Espírito Santo convence o pecador, ele não reage com orgulho, mas com abertura. Essa postura é rara e preciosa. Revela que Deus já está operando arrependimento e fome espiritual nela.
O Reconhecimento que Precede a Redenção
João 4:19 não é uma evasiva é um salto na escada da revelação. Ao chamar Jesus de profeta, a mulher: Reconhece que Ele vê além da aparência, e dá o primeiro passo rumo à adoração em espírito e verdade (v. 23-24).
- O verdadeiro profeta, no Antigo Testamento, era aquele que falava com Deus e falava por Deus.
- Aqui, ela está diante do próprio Verbo, que não apenas fala — Ele é a Palavra encarnada.
Quando ela o chama de profeta, ela acende uma lâmpada dentro de si e começa a ver que há algo eterno naquela conversa — e que aquele homem não veio para pedir água, mas para saciar sua sede mais profunda.

JOÃO 4:20 – “Nossos pais adoraram neste monte, e vós dizeis que é em Jerusalém o lugar onde se deve adorar.”
PALAVRAS-CHAVE NO GREGO
1. προσεκύνησαν (prosekýnēsan) – “adoraram”. Do verbo προσκυνέω (proskyneō), que significa curvar-se em reverência, prestar homenagem ou adorar profundamente. No Novo Testamento, é frequentemente usado para a adoração a Deus. Essa forma verbal está no aoristo ativo, indicando uma ação concluída no passado. A mulher está falando de tradição religiosa herdada: “nossos pais adoraram aqui…” — um tipo de culto que se apoia em passado, em raízes, em geografia.
Essa palavra será retomada por Jesus nos próximos versos, mas ressignificada completamente: de um gesto físico/geográfico para uma realidade espiritual e universal.
2. τόπος (tópos) – “lugar”. Palavra comum para local geográfico, mas aqui carregada de sentido teológico. A disputa entre judeus e samaritanos envolvia a legitimidade do “lugar” da adoração:
- Os judeus defendiam o Templo de Jerusalém, como estabelecido em Dt 12:5-11 e confirmado em 2 Cr 6.
- Os samaritanos defendiam o Monte Gerizim, apontando para Gn 12:6-7 e Dt 11:29 — como o local da bênção.
Para a mulher, a adoração ainda está presa ao “tópos” — ao território, ao espaço físico como condição indispensável do culto.
APLICAÇÃO TEOLÓGICA
Mudança de assunto ou sede real? Alguns intérpretes acham que a mulher está tentando desviar o foco do confronto pessoal (v. 17-18). Outros, mais atentos à progressão joanina, entendem que ela está sendo sinceramente provocada pela revelação de Jesus como profeta.
Eu me uno aos que creem que ela está dizendo: “Já que você é profeta, então me responda a maior dúvida teológica entre nós e vocês: onde, afinal, é o lugar verdadeiro de adoração?” Ou seja, ela busca sentido, e não apenas fuga.
O embate entre tradição e revelação. A fala da mulher resume séculos de rivalidade religiosa:
- “Nossos pais adoraram no Gerizim” → apelo à tradição dos ancestrais.
- “Vós dizeis que é em Jerusalém” → apelo à autoridade dos judeus e da Lei.
Ela está presa entre dois montes: o da herança (Gerizim) e o da ortodoxia (Sião). Mas o que ela ainda não entendeu é que o novo monte será o Calvário, e que o novo templo será o próprio Cristo (Jo 2:21).
3. A tensão do “lugar” no culto moderno. A mulher pensa que a adoração depende de geografia sagrada. Mas Jesus, nos versos seguintes, desconstrói esse pensamento com uma das afirmações mais profundas de todo o Evangelho: “Nem neste monte, nem em Jerusalém…” (v. 21).
A adoração não será mais delimitada por estruturas visíveis, mas pelo Espírito. Deus não está mais preso à montes, mas habita nos que o adoram em espírito e em verdade.
A Transição do Lugar para o Espírito. João 4:20 revela o dilema da alma religiosa: Onde está Deus? Onde posso encontrá-lo? Em qual templo? Em qual monte? E a resposta divina que será revelada a seguir é uma revolução:
- O verdadeiro templo não é feito de pedra, mas de carne (Jo 1:14; Jo 2:19).
- O verdadeiro culto não é territorial, mas espiritual.
- A adoração verdadeira não é mais uma questão de “onde”, mas de “como” e “quem”.
A mulher samaritana está prestes a descobrir que o monte onde se adora não é o Gerizim nem Jerusalém, mas é o coração regenerado!

JOÃO 4:21 – “Disse-lhe Jesus: Mulher, crê-me que a hora vem em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai.”
PALAVRAS-CHAVE NO GREGO
1. πίστευσόν μοι (písteusón moi) – “crê-me”. Verbo πιστεύω (pisteúō), no imperativo aoristo ativo de segunda pessoa do singular. Não é apenas um “acredite, por favor”. É uma convocação urgente, um chamado à fé imediata e consciente. Jesus diz, literalmente: “Creia agora mesmo no que vou te revelar”. Esse imperativo está no singular, direcionado diretamente à mulher — mostrando que o chamado de Cristo não depende da multidão, do sistema ou da tradição, mas é pessoal, direto e individual.
A fé aqui não é em um dogma, em uma instituição ou em uma localização. É fé na palavra viva do Verbo vivo.
2. ὥρα (hṓra) – “hora”. Não se refere a um momento cronológico, mas a um tempo decisivo, um kairos — aquele momento designado por Deus para uma mudança cósmica. Essa “hora” aparece várias vezes no Evangelho de João com um tom escatológico e redentor:
- João 2:4 – “Ainda não é chegada a minha hora”
- João 12:23 – “É chegada a hora em que o Filho do homem há de ser glorificado”
Aqui, a hora mencionada é o tempo da nova adoração, sem geografia sagrada, sem dependência de Jerusalém nem de Gerizim — é o início da adoração universal, espiritual, centrada no Pai.
APLICAÇÃO TEOLÓGICA
“Mulher, crê-me…” O tom profético de Cristo. A expressão “crê-me” é usada apenas aqui no Novo Testamento neste formato. Jesus está se apresentando como profeta, mas também como fundamento da nova fé. Ele não está discutindo teologia. Ele está revelando a verdade eterna que redefine o culto. Ao chamar a mulher de “mulher”, Ele está usando o mesmo tom respeitoso com que tratou Sua mãe em João 2:4 ou seja: mesmo em meio a um sistema que a desprezava, Jesus a dignifica como interlocutora legítima de revelação.
“Nem neste monte nem em Jerusalém”. Quebrando os altares dos homens. Este é o golpe mais certeiro que Jesus dá nas estruturas religiosas da época:
- O monte Gerizim representava o orgulho samaritano.
- Jerusalém representava o orgulho judaico.
E Jesus diz: “nem um, nem outro”. Ele não está escolhendo lados. Ele está revelando um novo centro: o próprio Pai, acessado pelo Espírito. A partir daqui a geografia deixa de ser um fator da adoração verdadeira. Não é o lugar que santifica o adorador, mas o adorador que santifica o lugar com sua vida no Espírito.
“Adorareis o Pai”. Uma revolução de paternidade e intimidade. A mulher perguntou sobre onde adorar. Jesus responde quem é adorado – o Pai. Essa mudança é sutil e revolucionária. Jesus está dizendo: o mais importante não é o lugar da adoração, mas o relacionamento com aquele que é adorado. Adorar o Pai implica intimidade, reconciliação, filiação espiritual. É um convite a sair da religião institucionalizada e entrar na família de Deus (Jo 1:12).
O Fim dos Montes, o Início do Espírito. João 4:21 é um terremoto teológico. Ele sacode as estruturas dos templos feitos por mãos humanas e anuncia a inauguração da adoração espiritual, em que:
- A fé é exigida com urgência (“Crê-me!”);
- O tempo é chegado (“A hora vem…”);
- A geografia é superada (“Nem neste monte, nem em Jerusalém…”);
- A relação com Deus é transformada (“Adorareis o Pai”).
O culto verdadeiro não é refém de templos, horários fixos, ou trajes litúrgicos. Ele começa quando o coração se encontra com o Pai através do Filho, no poder do Espírito.

JOÃO 4:22 – “Vós adorais o que não sabeis; nós adoramos o que sabemos, porque a salvação vem dos judeus.”
PALAVRAS-CHAVE NO GREGO
1. σωτηρία (sōtēría) – “salvação”. Substantivo feminino que significa libertação, preservação, salvação espiritual. No contexto joanino e neotestamentário, refere-se à obra redentora de Deus que liberta o ser humano do pecado e o reconcilia com o Pai. Essa palavra carrega o peso de todo o plano redentor de Deus, desde Gênesis até a cruz.
Ao dizer que “a salvação vem dos judeus”, Jesus não está exaltando um povo étnico em si, mas apontando para o fio histórico da revelação divina que passou por Israel — os patriarcas, os profetas, a Lei, os salmos e, por fim, o próprio Messias (cf. Rm 9:4-5). A salvação não nasce de Gerizim, nem de Roma, nem de Grécia. Ela tem origem profética em Israel — e culmina no Filho de Davi.
2. οὐκ οἴδατε (ouk oídate) – “não sabeis”. Expressão composta do advérbio de negação οὐκ (não) e do verbo οἶδα (saber com entendimento claro), conjugado no indicativo perfeito ativo, 2ª pessoa do plural. Essa forma verbal aponta para um estado contínuo de ignorância fundamentada. Jesus não está dizendo apenas que os samaritanos não sabem algo pontual, mas que a estrutura da adoração deles é construída sobre algo fora da revelação completa. Isso contrasta com o “sabemos” dos judeus — os quais, apesar de muitas falhas, receberam a revelação direta de Deus ao longo da história (cf. Sl 147:19-20).
APLICAÇÃO TEOLÓGICA
1.Adoração sem revelação é perigosa. Jesus é direto: “Vós adorais o que não sabeis”. Isso não é desprezo; é diagnóstico. A adoração samaritana, mesmo sincera, estava desalinhada com a verdade. Eles aceitavam apenas os cinco livros de Moisés e rejeitavam os livros proféticos e históricos. O resultado? Um culto com fragmentos de verdade, mas sem conhecimento pleno de Deus.
Sinceridade não salva. Verdade sim. Este ponto é crucial para os nossos dias, quando tantos “adoram” com zelo, mas sem base bíblica, sem entendimento da revelação progressiva de Deus, sem Cristo como centro.
2. “Nós adoramos o que sabemos” – a confiança na revelação bíblica. Jesus se identifica com os judeus piedosos ao dizer “nós adoramos o que sabemos”. Ele não diz “adoramos o que sentimos”, ou “o que achamos”, mas o que sabemos — revelação sólida. A fé cristã não se constrói no emocionalismo ou nas tradições humanas, mas no conhecimento progressivo e fiel da revelação divina. João 1:17 já havia dito: “A graça e a verdade vieram por Jesus Cristo.”
3. “A salvação vem dos judeus”. A raiz não pode ser ignorada. Este é um dos versos mais claros para fundamentar a teologia da continuidade bíblica entre Antigo e Novo Testamento.
Deus escolheu revelar-se por meio de Israel:
- A aliança com Abraão (Gn 12:1-3);
- A Lei com Moisés;
- O reinado messiânico com Davi;
- As profecias com Isaías, Jeremias, Ezequiel;
- E, finalmente, o cumprimento de tudo em Jesus Cristo, o judeu de Nazaré.
Por isso, Paulo dirá: “O Evangelho é o poder de Deus para salvação… primeiro do judeu…” (Rm 1:16). Rejeitar as raízes judaicas do Evangelho é como querer um fruto sem raiz. Jesus, ao dizer isso, não endossa um nacionalismo judaico, mas reconhece a fidelidade de Deus em cumprir Sua Palavra através da história de Israel.
A Verdade é a Base da Adoração e da Salvação. João 4:22 é um balde de água fria sobre qualquer tentativa de construir adoração fora da verdade revelada. A mulher queria saber onde adorar. Jesus responde: primeiro, aprenda quem é Deus, como Ele se revelou, e de onde vem o Salvador.

JOÃO 4:23 – “Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem.”
PALAVRAS-CHAVE NO GREGO
1. ἀληθινοί (alēthinoí) – “verdadeiros”. Adjetivo derivado de ἀλήθεια (alḗtheia) – verdade. Este termo não significa apenas algo “verdadeiro” no sentido lógico ou factual, mas genuíno, autêntico, sem disfarces ou rituais vazios. Em João, essa palavra é usada para distinguir o que é sombra e o que é realidade, como:
- João 1:9 – “a verdadeira luz”
- João 6:32 – “o verdadeiro pão do céu”
- João 15:1 – “Eu sou a videira verdadeira”
Assim, os “verdadeiros adoradores” são os que não estão presos a formas externas ou locais sagrados, mas que adoram com autenticidade e revelação.
2. ζητεῖ (zēteî) – “procura”. Verbo ζητέω (zētéō) no presente indicativo ativo, indicando ação contínua. É usado frequentemente para buscar com intenção, com desejo profundo — não é uma busca aleatória, mas intencional, persistente, santa.
Essa é uma das maiores surpresas teológicas do verso: Deus está buscando. Mas o que Ele busca? Não talentos, não performances, não títulos, mas adoradores verdadeiros.
APLICAÇÃO TEOLÓGICA
1. “Mas a hora vem, e agora é…” – A nova era já começou. Jesus liga o “agora” com o “virá”, mostrando que a adoração messiânica já está em curso. Ele é o divisor de águas: o Templo de Jerusalém está prestes a ser substituído por um novo templo – Ele mesmo (Jo 2:19-21).
A expressão “hora” (ὥρα) já foi usada em João para descrever momentos chave do plano redentor de Deus (Jo 2:4; 12:23). Aqui, ela marca o início da era da adoração espiritual — sem vínculos com montanhas, mas enraizada na presença viva do Espírito Santo.
2. “Verdadeiros adoradores”. Nem todo culto é aceito. Essa declaração revoluciona o entendimento religioso: Nem todo culto é válido, nem todo adorador é aprovado. Jesus não disse apenas “adoradores”, mas “verdadeiros adoradores” – o que implica que há adoradores falsos, inconsistentes, litúrgicos sem vida, emocionais sem verdade. O verdadeiro adorador é aquele que se aproxima de Deus como Pai, e o faz com o coração rendido à verdade revelada.
3. “Em espírito e em verdade”. A nova geografia da adoração. Essa expressão é o centro da teologia do culto joanino. Ela responde à pergunta da mulher: onde se deve adorar? Jesus responde: não é onde, é como.
Em espírito
- Com o interior envolvido, com a vida plena, com o Espírito Santo habitando no coração.
- Não é mero formalismo, mas envolvimento pessoal e vital com Deus.
Em verdade
- Fundado na revelação correta de quem Deus é — ou seja, Cristocêntrico, bíblico, fiel.
- Contra toda adoração supersticiosa, sincrética ou emocionalmente desgovernada.
- Espírito sem verdade = fogo estranho.
- Verdade sem espírito = culto seco.
- Espírito e verdade juntos = culto vivo, aceitável, transformador.
4. “O Pai procura”. Deus busca um tipo específico de relacionamento. Essa é uma das verdades mais comoventes do Evangelho: O Pai está à procura… não de perfeição, mas de adoração verdadeira. O Deus todo-suficiente não carece de adoração, mas anseia por corações que O reconheçam como Pai, e O exaltem com verdade interior e espiritualidade sincera.
O foco não está no lugar do culto, mas no caráter do adorador.
A Adoração Que Toca o Céu. João 4:23 é uma das declarações mais profundas do Cristo sobre o novo culto do Reino:
- Ele não é centrado em Jerusalém ou Gerizim, mas no coração regenerado.
- Ele não é movido por rituais, mas pelo Espírito de Deus.
- Ele não é guiado por tradições, mas pela verdade revelada na Escritura e no Filho.
- Deus está buscando adoradores, não consumidores.
- Deus não está esperando grandes produções, mas corações quebrantados.
- E a boa notícia é: essa hora já chegou!

JOÃO 4:24 – “Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade.”
PALAVRAS-CHAVE NO GREGO
1. πνεῦμα ὁ Θεός (pneûma ho Theós) “Deus é Espírito”. Aqui temos uma definição ontológica de Deus em uma construção sintática poderosa: O substantivo “espírito” (πνεῦμα) está à frente, e a estrutura sem artigo definido para “espírito” indica que a essência de Deus é espiritual, não física, material ou visível. Esta afirmação é uma das três definições diretas de Deus no Novo Testamento:
- Deus é Espírito (Jo 4:24) → natureza essencial
- Deus é Luz (1 Jo 1:5) → pureza moral
- Deus é Amor (1 Jo 4:8) → essência relacional
Aqui, Jesus não diz apenas o que Deus faz, mas quem Deus é. Não é “tem espírito”, mas “é espírito” – isto é, imaterial, ilimitado, invisível, onipresente.
2. πρέπει (prépei) – “importa”. Verbo que significa “é necessário, é adequado, é obrigatório por natureza”. stá no presente indicativo ativo, indicando uma necessidade contínua e universal. Jesus não está sugerindo um bom modo de adorar. Ele está dizendo que existe apenas um modo aceitável diante da natureza do próprio Deus. A natureza de Deus define a natureza da adoração. Por isso, se Deus é Espírito, então a adoração precisa ser espiritual e verdadeira.
APLICAÇÃO TEOLÓGICA
1. “Deus é Espírito”. Uma teologia da imaterialidade divina. Ao declarar que Deus é espírito, Jesus:
- Destrói a ideia de que Deus está limitado a um espaço físico ou templo;
- Afasta qualquer imaginação antropomórfica, como deuses com forma física (como nas religiões pagãs);
- E afirma que Deus é invisível, onipresente, eterno, transcendente, mas também acessível a todo coração sincero.
A implicação: Deus não está confinado a um lugar geográfico, cultural ou étnico. Sua adoração pode acontecer em qualquer lugar, contanto que seja em espírito e verdade.
2. “Importa que os que o adoram…” Uma adoração que corresponde à natureza de Deus. O verbo “importa” implica necessidade moral e espiritual. Não é questão de preferência, mas de conformidade com o ser de Deus.
- Deus é espírito → adoração deve ser espiritual
- Deus é verdade → adoração deve ser verdadeira
O culto baseado apenas na forma, no ritual ou na tradição sem o envolvimento do espírito humano e sem base na verdade revelada não encontra aceitação divina.
3. “Em espírito e em verdade”. Reafirmação essencial. Jesus repete aqui a frase do versículo anterior (Jo 4:23), não por redundância, mas para reforçar com ênfase doutrinária.
Este binômio não é poético — é teológico:
Em espírito. Com a alma viva, com profundidade interior, com o homem interior ativo diante de Deus. Com auxílio e comunhão do Espírito Santo (cf. Rm 8:26, Ef 6:18).
Em verdade. Alinhado à revelação bíblica, conforme o caráter de Deus, centrado em Cristo (Jo 14:6).
A verdadeira adoração, portanto, não é emocionalismo vazio nem ortodoxia fria. É um ato completo: do espírito humano tocado pelo Espírito Santo e guiado pela verdade revelada da Palavra.
A Natureza de Deus como Base do Culto Aceitável. João 4:24 encerra o diálogo sobre adoração com uma afirmação definitiva:
- A identidade de Deus é a chave hermenêutica do culto.
- Deus não busca formas, mas essência.
- Ele não se impressiona com encenações externas, mas se relaciona com a profundidade do espírito humano regenerado.
O culto verdadeiro não precisa de templo de pedras, mas de corações vivos. O altar da nova aliança é o interior do homem. E o sacerdote? É cada regenerado que, com a vida, ministra ao Pai com sinceridade, revelação e rendição.
CONCLUSÃO DO COMENTÁRIO
Aplicações Doutrinárias Contundentes. A verdadeira adoração começa com o reconhecimento de quem é Deus, não onde Ele está.
- A salvação tem uma raiz histórica (Israel), mas um alcance universal (todos que o adoram em espírito e verdade).
- Deus busca adoradores — e o adorador não é definido pela sua geografia, mas pela sua disposição de render-se à verdade revelada.
- O culto aceitável é cristocêntrico, espiritual e fundado na verdade — não em estilos, sons ou sentimentos.