Em curso: o processo de “neopentecostalização” das Assembleias de Deus do Brasil!

As Assembleias de Deus do Brasil, um movimento pentecostal vibrante e marcado por uma forte manifestação do Espírito Santo em seus cultos e reuniões (isso sem fazer alardes ou promover reuniões com temáticas apelativas), vem se deparando nas últimas décadas com um desafio crescente: a ascensão do neopentecostalismo. Essa corrente de pensamento com interpretações teológicas bem controversas, com suas práticas sensacionalistas, promessas grandiosas e ênfase em prosperidade material, vem se infiltrando nas Assembleias de Deus e influenciando os fiéis, gerando preocupações e questionamentos sobre o futuro de uma das principais denominações do pentecostalismo brasileiro.

Denominações evangélicas tão grandes e majoritárias em um país como o caso das ADs Brasileiras – tem como pontos fracos (há razões para tal) a facilidade de sofrer influências externas ao seu modo de vida comunitário e litúrgico. Atualmente a denominação sobre influências de um movimento experiencial moderno, o neopentecostalismo – e também em menor grau de um movimento teológico histórico, o calvinismo. Neste cenário de influências externas, a visão teológica mais predominante é quem faz a comunidade de fé – e neste aspecto o neopentecostalismo exerce maior influência por dividir uma crença comum: a atualidade da experiência pentecostal e dos dons espirituais – mas, as similaridades param neste fundamento.

Este artigo não é definitivo e nem esgotará o assunto – mas busquei apresentar razões que manifestam tal progresso (da neopentecostalização) nas Assembleias de Deus. Mesmo representando um número menor de adeptos – as formulações teológicas do movimento são grandes, ‘americanizadas’, e de total interesse do povo – afinal quem não quer ser abençoado (ainda que literalmente se pague um preço para tal). Por razão de fundamento doutrinário alguns líderes assembleianos despreparados ou sem as necessárias raízes denominacionais – cederam a tentação de “encher os templos” a qualquer custo nem que para isso agrupem os adeptos em torno de uma “panela com caldo envenenado” para os que dela se alimentam.

1. Características do Neopentecostalismo e seus Impactos nas Assembleias de Deus:

O neopentecostalismo se caracteriza por diversos elementos que destoam dos princípios fundantes das Assembleias de Deus:

  • Campanhas de Vitórias e Prosperidade: A busca incessante por “vitórias” pessoais e financeiras, muitas vezes através de campanhas e promessas apelativas, desvia o foco da verdadeira essência do evangelho: a salvação da alma e a glorificação de Deus (Mateus 6:24-34; 1 Timóteo 6:10). Se uma pessoa não é capaz de buscar a Cristo por sua situação espiritual – tentar trazê-la por motivos materiais é um desvio dos objetivos da pregação evangélica. Mais que uma benção material (que pode ser colateral) o indivíduo precisa de arrependimento para a graciosa salvação. Quando convidamos pessoas para virem a igreja por motivos diversos – menos para ouvir o evangelho de Cristo para a salvação – pode até parecer evangelismo, mas é um convite que propõe uma relação mercantilista e interesseira – Deus não se vende! Sei que apresentam argumentos dos mais variados para justificar tais reuniões – mas, prometer vitórias financeiras e outras coisas em campanhas feitas em nossos cultos – é buscar modelos e referências fora das Escrituras e sim no mercado!
  • Unção de Objetos e Votos Financeiros: A crença na transferência de poder divino para objetos e a prática de votos financeiros compulsórios, muitas vezes explorando a fé dos fiéis, contrariam os ensinamentos bíblicos sobre a doação voluntária e a busca por riquezas verdadeiras (Provérbios 11:24; 2 Coríntios 9:7). A unção no N.T. aplicada as práticas da igreja é muito específica e não inclui a unção de objetos (Tiago 5:14-15). Fazer diferente disso é violar o ensino bíblico e impor os próprios sem qualquer fundamento. Um líder deve ser firme e não ceder aos apelos de membros da congregação – quando tais apelos vão contra princípios bíblicos.
  • Declarações Proféticas e Decretos: A ênfase em declarações proféticas e decretos que visam “determinar” o futuro ou impor a vontade de Deus sobre as circunstâncias coloca o crente em uma posição de autoexaltação e o afasta da submissão à vontade divina (Provérbios 16:9; Tiago 4:13-17). A falta de noção bíblica eleva a uma petulância carnal sem tamanho. Não há ensino no N.T. para decretar nada – a bíblia ensina a pedir (ato de submissão) e não de decretar (ato de ordenar). Esse tipo de comportamento é típico de neopentecostais e tem invadido alguns arraiais assembleianos. Agir sob a autoridade do nome de Jesus sobre as enfermidades e as forças espirituais contrárias é uma coisa (Marcos 16:17-18) – decretar realizações sobre cidades, bairros, pessoas é devaneio (Jeremias 14: 13-15).
  • Ênfase em Demônios e Cultos de Revelação: A obsessão com demônios como causa de todos os problemas e a proliferação de cultos de revelação, onde “profetas” supostamente revelam segredos da vida dos fiéis, desviam o foco da verdadeira batalha: a luta contra a natureza pecaminosa e a busca pela santificação (Romanos 7:15-25; 1 João 4:1). É moda em nossos dias um específico tipo de pregadores: os que revelam dados sociais! Revelam datas de aniversário, nomes de filhos, cônjuges, CPF e tantos detalhes que poderiam prestar auxílio a órgãos de pesquisas e de consultas de crédito (na verdade alguns usam programas e aplicativos para obterem tais dados – ou buscam informações antecedentes nas redes sociais dos membros da igreja onde “entregarão” seus relatórios ao modo de consulta do SERASA). No fim, as revelações são essencialmente genéricas, são matemáticas (diante de centenas ou milhares de pessoas alguém tem dores de cabeça, problemas na justiça e etc), depois de identificados os alvos, gatilhos emocionais são acionados pela excelente oratória dos profetas do raio X e daí em diante é histeria total e julgamento zero.
  • A presença de elementos do culto judaico. O que tem a ver a presença da arca da aliança no templo assembleiano? Tem muito a ver com o progresso de sua sincrética neopentecostalização! Arca da aliança, shofar, vestes sacerdotais e candelabro nada tem a ver com culto cristão. Uma grande dificuldade para muitas lideranças pentecostais é diferenciar que nem tudo que é bíblico – é para o cristão. Quem se utiliza desses “objetos consagrados” trabalha mais contra a fé evangélica do que a favor dela – promove mais o judaísmo do que o cristianismo (Hb 9). Há pastores assembleianos promovendo sincretismo religioso – importando elementos de outros cultos para o nosso, canalizando a fé em objetos, materializando o sagrado e estabelecendo amuletos – na melhor das boas intenções, isso é pecado!
  • A unção do cair no espírito: Este é um dos sinais mais evidentes do processo de neopentecostalização ao modo norte americano nas ADs Brasileiras. Tal manifestação já foi inúmeras vezes refutada e desencorajada em publicações oficiais, lições bíblicas, escolas de obreiros e manifestos públicos de eminentes líderes – mas, de nada adiantou. Há um grupo místico (para o lado de cultos afros) na denominação que com seus batuques (sons típicos) enredam os que na “roda entram” promovendo mais confusão e questionamentos do que edificação e esclarecimento. Para os tais o culto só é “bom” (o que já é uma afronta bíblica e teológica – culto bom?), se sentirem algum arrepio, se fazerem algum contorcionismo, esquesitice – ou se algum cair e ficar desacordado “no espírito”. O culto deve ser racional (Rm 12:1) e para edificação de todos (1 Co 14:26-33) – e não para quem roda e caiu, isto não é bíblico!
  • Mega Vigílias e Sensacionalismo: As mega vigílias, marcadas por multidões em busca de “milagres” e “cura divina” e experiências sobrenaturais, muitas vezes se convertem em espetáculos religiosos que priorizam o sensacionalismo e a emoção em detrimento da verdadeira busca por Deus (João 4:23-24). Outro ponto é que não há mais muita oração (salvo as raras exceções) e sim uma lista interminável de cantores e pregadores – é mais um palco de apresentações do que um culto que glorifica o Senhor Jesus Cristo (na verdade, Cristo é uma menção lateral em tais reuniões) – e cada um que se apresenta é mais inconsequente nas afirmações que quem o antecedeu (é muito antropocentrismo canalizado em um poço sem fundo de pura eisegese e achismo), o negócio é aparecer de qualquer jeito na vitrine do evento de crentes (isso é diferente de culto), nem que para tal, o show seja recheado de heresias e de seguidas atrocidades contra a bíblia. Mais outro ponto são os termos superlativos para tais ajuntamentos: mega, super, derruba isso, abala aquilo – é uma falta de equilíbrio e razão cristã sem tamanho – onde nas Escrituras esse tipo de promulgação evangelística ou cúltica foi feita? É propaganda enganosa, é mais promessa que entrega – é um exagero litúrgico da idealização à realização. Quem está ganhando com isso? O processo se manifesta e a “rapaziada” grita, pula, rodopia, cai, levanta, curte e compartilha – é um verdadeiro show – e o culto acabou há tempos em tais espaços! Se você é pastor presidente e me lê neste artigo – considere cancelar tais eventos em sua igreja imediatamente – volte as verdadeiras vigílias – a adesão será mínima, mas o culto será grandioso! Ou tenha bom senso e seja transparente: abra o jogo e deixe claro que trata-se de uma festa para crentes (repito, isso é muito diferente de culto ou de qualquer “mega” relacionado ao Reino – afinal, as coisas dos Céus não precisam de superlativos – pois já são completas e perfeitas em seu estado).

2. Consequências da Neopentecostalização para as Assembleias de Deus:

A ascensão do neopentecostalismo nas Assembleias de Deus tem gerado diversas consequências negativas:

  • Perda da Identidade Pentecostal: A ênfase em práticas sensacionalistas e promessas materiais distancia as Assembleias de Deus de suas raízes pentecostais, marcadas pela experiência do Espírito Santo, pela busca por santificação e pela proclamação do evangelho (Atos 2:1-4; 1 Pedro 1:15-16).
  • Manipulação Emocional e Exploração da Fé: A manipulação emocional e a exploração da fé dos fiéis, frequentes no neopentecostalismo, geram dependência dos líderes e igrejas, afastando os crentes de um relacionamento autêntico com Deus e da responsabilidade de interpretar e aplicar as Escrituras em suas vidas (1 Timóteo 6:10; 1 Pedro 5:2).
  • Fortalecimento de Denominações Históricas: O descrédito gerado pelo neopentecostalismo pode levar a um fortalecimento das denominações protestantes históricas, vistas como mais sóbrias e fiéis às Escrituras.
  • Divisão e Conflitos: A ênfase em prosperidade e revelações pessoais no neopentecostalismo pode gerar divisões e conflitos nas igrejas, pois nem todos os membros concordam com essas práticas.

3. O Desafio da Preservação da Fé Pentecostal:

Diante do processo de neopentecostalização, as Assembleias de Deus se encontram em um momento crucial:

  • Retorno aos Princípios Fundantes: É fundamental que as igrejas retornem aos princípios fundantes do pentecostalismo, valorizando a experiência do Espírito Santo, a busca por santificação, a comunhão fraterna e a proclamação fiel do evangelho (Atos 2:1-4).
  • Fortalecimento do Ensino Bíblico: O ensino bíblico sólido e centrado na Palavra de Deus é essencial para equipar os fiéis a discernir entre práticas bíblicas e neopentecostais. O estudo sistemático das Escrituras, aliado a uma interpretação sadia, ajudará os irmãos a firmarem sua fé em bases sólidas e a identificarem heresias e distorções da mensagem bíblica (2 Timóteo 2:15; 3:16-17).
  • Valorização do Discernimento Espiritual: O desenvolvimento do discernimento espiritual, conforme ensinado pelo apóstolo Paulo (1 Coríntios 12:10), é fundamental para que os membros das Assembleias de Deus possam avaliar criticamente práticas e ensinamentos à luz da Bíblia. Isso requer um profundo conhecimento das Escrituras e uma constante busca pela orientação do Espírito Santo.
  • Liderança Comprometida: A liderança das Assembleias de Deus precisa se comprometer a defender os valores pentecostais originais e combater o avanço do neopentecostalismo. Isso envolve o ensino bíblico sólido, a transparência financeira, a vida íntegra dos líderes e a promoção de um ambiente onde a genuína experiência pentecostal seja valorizada.
  • Retorno à Simplicidade e Santidade: As Assembleias de Deus devem resgatar a ênfase na simplicidade, na vida piedosa e no desapego aos bens materiais, conforme ensinado por apóstolos como Paulo (1 Timóteo 6:6-11). A busca pela santidade e pela glória de Deus deve ser o foco principal da vida da igreja, em vez da busca incessante por bênçãos materiais e promessas terrenas.
  • Comunhão e Missão: Retomar o valor da comunhão fraterna e do amor entre irmãos em Cristo é fundamental para fortalecer as Assembleias de Deus. O compromisso com a missão de pregação do evangelho a todos os povos também precisa ser renovado, para que a igreja cumpra o seu papel de levar a mensagem de salvação ao mundo (Mateus 28:19-20).

Conclusão: O processo de neopentecostalização nas Assembleias de Deus do Brasil é um desafio, mas também uma oportunidade. Ao retornar aos seus valores pentecostais originais, fortalecer o ensino bíblico, valorizar o discernimento e a liderança comprometida, as Assembleias de Deus poderão preservar sua identidade, combater os ensinos errôneos e continuar sendo uma força transformadora na sociedade brasileira. Somente assim, a igreja poderá cumprir o seu propósito de glorificar a Deus e levar o evangelho a todos os cantos do país.