Humildade Cristã Versus Ostentação Evangélica Atual (8)

humildade cristã

A Humildade Cristã e o “Evangelho” Ostentado “Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração…” (Mateus 11:29) Vivemos a era do Evangelho instagramável. Ministérios que brilham mais pelo filtro do que pelo fogo, por roupas de marca do que por marcas de joelhos. Pregadores viraram influencers, púlpitos se tornaram passarelas, e o altar — que deveria ser lugar de entrega — virou cenário de espetáculo. Há um novo tipo de líder surgindo: ungido no discurso, mas vaidoso no estilo; eloquente na fala, mas vazio no servir. A humildade, que foi a base do ministério de Cristo, tornou-se quase um obstáculo no marketing pessoal desses “chamados”. Roupas caríssimas, relógios de grife, hotéis cinco estrelas, carros de luxo, mansões em condomínios fechados — e tudo isso justificado com versículos fora do contexto e uma teologia de paladar fácil. O Evangelho virou vitrine. O púlpito, uma escada para a fama. E os que não se encaixam nesse molde são tidos como fracassados. A pregação se tornou performance. A apologética, muitas vezes, um ringue de humilhação. E os que deveriam ser modelo de serviço se comportam como artistas inatingíveis, que esnobam os pequenos e só se misturam se houver retorno. Cobradores do púlpito, não mais servos do altar. Multidões se curvam diante de seus ídolos de carne e osso — “pregadores celebridades” que não pregam de graça, não aconselham sem holofote, não servem sem cachê. E o mais assustador? Estamos indo pelo mesmo caminho.⠀Estamos normalizando esse desvio, adotando os mesmos vícios, desejando a mesma visibilidade. O ministério virou carreira. O chamado, uma marca. A cruz, um adereço. Mas precisamos perguntar com urgência e honestidade: Neste artigo, convido você a uma caminhada contra a corrente, a revisitar os passos de um Cristo que — tendo todo poder — preferiu o avental ao trono. Porque no Reino de Deus, o caminho para cima sempre começa… descendo. O Evangelho em Roupas Simples Jesus jamais vestiu-se de ostentação. Ele não pregava com adereços, nem se destacava por aparências. Isaías já profetizava: “não tinha parecer nem formosura; e, olhando nós para ele, nenhuma beleza víamos para que o desejássemos” (Is 53.2). O Filho de Deus veio ao mundo em um estábulo, cresceu na periferia de Nazaré e escolheu pescadores para mudar o mundo. Essa simplicidade não era desleixo — era mensagem. Era a exata oposição à ostentação farisaica que decorava o exterior, mas negligenciava o coração (Mt 23.5). Jesus não apenas nos ensinou com palavras; Ele viveu o que pregou. E a sua grande lição foi: a humildade cristã não é ausência de grandeza — é a essência da grandeza divina. Quando a Ostentação Invade o Evangelho A igreja do século XXI, especialmente em setores pentecostais e neopentecostais, enfrenta um dilema ético e espiritual: a contaminação do culto com a estética do espetáculo. É luz, fumaça, performance e uma busca constante por visibilidade — às vezes mais interessados em “viralizar” do que em edificar. A vaidade infiltrou-se pelas brechas do marketing cristão, e o altar passou a funcionar, em muitos lugares, como vitrine. A Bíblia é clara ao confrontar isso. Tiago escreve com severidade: “Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes” (Tg 4.6). Repare bem: Deus não ignora o soberbo — Ele resiste. Ou seja, quem constrói ministério sobre ego, constrói algo que Deus combate. E por que, então, a humildade cristã é tão rara? Porque ela não chama atenção para si. Ela não se promove. Ela serve em silêncio. Ela se alegra em ver o outro crescer. E, infelizmente, isso não rende likes. A Humildade Cristã Como Chave para o Avivamento É curioso que muitos clamam por avivamento, mas desprezam o caminho que o antecede: quebrantamento. Toda manifestação legítima do Espírito Santo na história começou com corações prostrados, não com plataformas erguidas. Como Isaías, que viu a glória do Senhor só depois que reconheceu sua miséria (Is 6.5). João 13 é um marco nesse sentido. Jesus, “sabendo que o Pai tinha depositado nas suas mãos todas as coisas”, decide… lavar pés. Isso é uma teologia viva. Um discipulado encarnado. Não há poder espiritual mais convincente do que ver alguém cheio de Deus se ajoelhando para servir. Essa humildade cristã, quando vivida de fato, desarma rivalidades, cura relacionamentos, restaura ministérios e prepara o terreno para o agir de Deus. Onde há orgulho, Deus se cala. Onde há humildade, Ele habita (Is 57.15). A Humildade Cristã que Não Se Vende Vivemos a era do crente celebridade, do pregador que cobra cachê, exige camarim e hotel 5 estrelas. Há um mercado evangélico onde dons são negociados e talentos transformados em moeda de prestígio. Mas Jesus nos alerta: “Já receberam seu galardão” (Mt 6.2). A humildade cristã verdadeira não está à venda. Ela não se torna instrumento de autopromoção. Ela é invisível aos olhos do mundo, mas preciosa aos olhos de Deus. Ela não se resume a gestos tímidos, mas a uma postura de vida, onde o eu diminui para que Cristo cresça (Jo 3.30). E é exatamente isso que torna a humildade cristã tão poderosa: ela abre espaço para o Espírito Santo agir sem resistência do ego humano. Aprendendo com os Pequenos Jesus, em sua pedagogia divina, colocou uma criança no meio e disse: “Se não vos converterdes e não vos fizerdes como meninos, de modo algum entrareis no Reino dos céus” (Mt 18.3). Não foi só uma metáfora de pureza, mas também de dependência, simplicidade e humildade. A criança não entra na sala querendo dominar o ambiente. Ela entra perguntando, aprendendo, confiando. O verdadeiro discípulo de Jesus não é aquele que se comporta como autoridade inquestionável, mas aquele que permanece ensinável, mesmo depois de décadas no Evangelho. Um Teste Silencioso A humildade é o teste mais silencioso e mais eficaz do caráter cristão.Ela se revela: Quando você é corrigido, e não se justifica. Quando você serve, e não precisa que reconheçam. Quando você perde espaço, mas continua fiel. Quando você entrega o microfone, mas continua adorando. Ela não aparece no currículo, nem está na assinatura

Bebê Reborn: Um Novo Ídolo de Silicone? (8)

bebê reborn

Bebê Reborn é Moda, Carência ou Idolatria? O fenômeno dos bebês reborn desafia a teologia cristã e a sociedade em diversos aspectos. Trata-se de bonecos hiper-realistas, confeccionados com detalhes minuciosos, que imitam com perfeição bebês humanos. Mais do que brinquedos ou peças de arte, esses bonecos têm se tornado objeto de vínculo afetivo intenso por parte de adultos, especialmente mulheres. O crescimento desse movimento expõe feridas emocionais profundas da nossa geração: solidão, luto não resolvido, carência materna, fuga da realidade. A questão ganha contornos espirituais, sociais e jurídicos, levantando debates sérios: um bebê reborn pode ser batizado? Tem direito a assento preferencial? Pode ser atendido pelo SUS? Este ensaio teológico propõe uma análise equilibrada e bíblica sobre o assunto, à luz da fé cristã, especialmente do pensamento pentecostal. O Que é um Bebê Reborn? Bebês reborn são bonecos criados por artistas para se parecerem com bebês reais. A técnica surgiu nos EUA nos anos 1990 e ganhou o mundo. No Brasil, a popularização veio por meio das redes sociais. Vídeos mostrando pessoas “cuidando” desses bonecos como filhos reais se multiplicaram, provocando admiração e espanto. Os reborns são caros – podendo ultrapassar R$ 9.000 – e costumam vir com enxoval, certidão fictícia e nome próprio. Algumas mulheres os exibem em encontros sociais, saem com eles no colo e criam rotinas de maternidade simulada. Embora parte dessas pessoas veja o reborn apenas como hobby, há casos em que o vínculo ultrapassa o razoável. As Raízes Emocionais Psicólogos explicam que a relação com reborns pode surgir por luto mal resolvido, infertilidade, isolamento ou traumas. Algumas pessoas encomendam bonecos parecidos com filhos falecidos. Em contextos terapêuticos, como no cuidado de idosos com demência, os reborns têm sido usados com resultados positivos. O problema começa quando o uso se torna escapismo psicológico. Há relatos de adultos que agem como se o reborn fosse um ser vivo. Isso revela uma crise existencial: a tentativa de preencher vazios com representações. Um substituto emocional. A pergunta teológica que emerge é: o que leva um ser humano a tratar um objeto como filho? A resposta passa pela dor. E onde há dor, a Igreja deve estender compaixão, não zombaria. Batismo de Bebê Reborn? Em Salvador (BA), a Igreja Católica publicou nota esclarecendo que não realiza batismos de reborns. O documento reforça que os sacramentos são exclusivos para pessoas vivas. A repercussão foi nacional. Em igrejas evangélicas, também houve tentativas de “apresentação” de reborns. Um pastor relatou o caso de uma fiel que levou o boneco ao culto e pediu unção. Ele optou por orar pela mulher, não pelo boneco, e aproveitou para ensinar sobre idolatria.   Até a presente data não há registro de nenhuma denominação protestante que tenha aceitado tais práticas oficialmente. O consenso é que os ritos cristãos são dirigidos às pessoas, não a objetos. Assento Preferencial e Direitos Sociais. Outra polêmica surgiu quando mulheres passaram a usar reborns para ocupar assentos preferenciais. A Prefeitura de Curitiba precisou emitir comunicado afirmando que bebês reborn não geram direito a preferência no transporte público. Outras situações inusitadas incluíram tentativas de usar o reborn para obter benefícios sociais. Uma mulher questionou se poderia receber pensão alimentícia para o “filho reborn”. A resposta jurídica foi direta: bebê reborn é um boneco, não uma criança. Atendimento no SUS. O caso mais emblemático aconteceu em Minas Gerais: uma mulher levou seu reborn a uma unidade de saúde afirmando que o boneco estava “com febre”. O caso gerou perplexidade e levou o deputado estadual Cristiano Caporezzo a propor uma lei proibindo atendimentos a simulacros em hospitais. No Congresso Nacional, surgiram três projetos de lei: PL 2326/2025 – Proíbe atendimento médico a reborns, exceto em uso acadêmico ou terapêutico; PL 2323/2025 – Prevê apoio psicológico a pessoas com vínculo afetivo excessivo com objetos; PL 2320/2025 – Penaliza quem tenta obter vantagens públicas com reborns (como vacinas, assentos, creches).   Essas propostas mostram que o assunto ultrapassou o campo das excentricidades e se tornou uma pauta real de gestão pública e saúde mental.   Visão Teológica Cristã sobre Bebês Reborn A Realidade Humana e a Doutrina da Imago Dei. No coração da teologia cristã está a doutrina da imago Dei — a crença de que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1:26-27). Essa verdade bíblica confere ao ser humano uma dignidade singular, incomparável com qualquer outra criatura ou objeto. Enquanto os bebês reais refletem essa imagem divina desde o ventre (Salmos 139:13-16), os bebês reborn são imitações da vida. São moldes sem alma, sem fôlego, sem essência espiritual. Isso nos obriga a perguntar: é apropriado investir amor, devoção ou identidade emocional em algo que não carrega a imagem de Deus? O livro de Jó afirma que é o “Espírito de Deus” que dá vida ao homem (Jó 33:4). E Eclesiastes 12:7 declara que, ao morrer, “o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu”. A Escritura é clara: vida humana é resultado da junção corpo + alma + espírito. O bebê reborn, por mais perfeito que seja em aparência, carece da essência do ser: a alma vivente. Ele pode parecer humano, mas não é. E quando alguém começa a tratar o que não é alma como se fosse, temos não apenas uma confusão antropológica, mas um risco teológico. Idolatria: Não Só Imagens de Esculturas, Mas Tudo Que Substitui Deus. A idolatria não é apenas adorar uma estátua ou imagem religiosa. Biblicamente, idolatria é atribuir valor absoluto a qualquer coisa criada, deslocando o coração de Deus para outra fonte de confiança, consolo ou identidade. “Não terás outros deuses diante de mim. Não farás para ti imagem de escultura… não te encurvarás a elas nem as servirás” (Êxodo 20:3-5) “Os ídolos deles são prata e ouro, obra das mãos dos homens. Têm boca, mas não falam; olhos têm, mas não veem… Tornem-se semelhantes a eles os que os fazem e todos os que neles confiam” (Salmos 115:4-8) Quando alguém dá ao bebê reborn: o lugar

Quando a Doutrina Certa Não Espera Milagre (7)

A Doutrina Certa

Quando a Doutrina Certa Sequer Considera o Milagre! João 11:23-24: “Disse-lhe Jesus: Teu irmão há de ressuscitar. Disse-lhe Marta: Eu sei que há de ressuscitar na ressurreição do último dia“. A cena é intensa. Lázaro, irmão de Marta e Maria, está morto há quatro dias. O ambiente cheira a perda e pesar. Marta, sempre ativa, vai ao encontro de Jesus, o Mestre esperado. A resposta de Jesus é direta e poderosa: “Teu irmão há de ressuscitar” (v. 23). No entanto, a resposta de Marta é teologicamente correta, mas espiritualmente limitada: “Eu sei que há de ressuscitar no último dia” (v. 24). Este breve diálogo entre Jesus e Marta revela algo que muitos cristãos enfrentam até hoje: a tensão entre a doutrina correta e a fé operante, entre a ortodoxia e a expectativa, entre o “creio que vai acontecer um dia” e o “creio que pode acontecer agora“. A Doutrina Certa de Marta. Marta demonstra conhecimento da doutrina da ressurreição escatológica, algo que os fariseus defendiam com base em textos como: Daniel 12:2 – “Muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão…” Isaías 26:19 – “Os teus mortos viverão…” Jó 19:25-26 – “Porque eu sei que o meu Redentor vive…”   Ela está correta. A teologia dela está em conformidade com o Antigo Testamento e com o ensino dos rabinos piedosos da época. No entanto, ela estava diante da própria Ressurreição, e ainda assim não viu o milagre prestes a acontecer. Palavras-chave em João 11:24 que merecem nossa atenção ἀνάστασις (anástasis) – “ressurreição”, usada tanto para a ressurreição final quanto para ressurreições milagrosas pontuais (cf. Lucas 7:15; João 5:28-29). οἶδα (oída) – “eu sei”, conhecimento intelectual, cognitivo, doutrinário. É diferente do verbo πιστεύω (pisteúō) – “eu creio/confio”, que aparece nos versos seguintes e expressa fé relacional e vivencial.   Marta sabia de uma verdade teológica, mas não cria que ela poderia ser experimentada ali, diante do túmulo. A Doutrina Certa Não Substitui Fé Viva. Marta cria corretamente na ressurreição futura, mas não cria suficientemente na ação presente do Cristo vivo. Quantos hoje vivem com o mesmo dilema? Conhecem a Bíblia, citam textos, dominam a escatologia, mas não conseguem aplicar sua fé no hoje de Deus. Há um perigo real quando: A doutrina se torna barreira e não ponte. O conhecimento se torna conformismo e não expectativa. A fé é sempre projetada para o futuro, e **nunca aplicada ao presente.   O Milagre Estava em Pé. Jesus não disse apenas “teu irmão vai ressuscitar”, Ele estava dizendo: **“Eu estou aqui. Eu sou a ressurreição” (v. 25). Ele não apontava apenas para uma doutrina. Ele **encarnava a doutrina**. A verdade agora tinha voz, rosto, presença. “Eu sou a ressurreição e a vida“. (v. 25). Ele não disse: “Eu trago” ou “farei”, mas “EU SOU”. Isso muda tudo. A teologia sem fé prática nos paralisa. Uma doutrina fria pode nos anestesiar diante da ação de Deus. Conhecer a Palavra é vital, mas **não basta repetir verdades eternas sem esperar por ações atuais. A doutrina certa deve ver o Cristo presente. Marta via Jesus como o Mestre, mas ainda não o reconhecia como o presente poder divino sobre a morte. Muitos veem Jesus como salvador para o fim dos tempos, mas não como aquele que age no meio do luto, da crise, da espera. A doutrina certa não pode esconder o poder. Se o nosso ensino bíblico não leva à esperança viva, ele se torna apenas um sistema de ideias. Doutrina deve conduzir ao Cristo vivo, não apenas à espera de um porvir. O que aprendemos com Marta? Ela cria, mas limitava o agir de Deus no tempo. Ela conhecia, mas não discernia o momento. Ela não negava a fé, mas não aplicava ao agora.   Deus quer despertar a Marta em nós. Não para negar a doutrina, mas para permitir que a doutrina viva se manifeste quando Ele está diante de nós. Quantas vezes nos parecemos com Marta! Teologicamente corretos, mas emocionalmente distantes do poder imediato de Deus? Sabemos que Deus pode curar, restaurar, ressuscitar… mas sempre colocamos isso no “último dia”, como se Ele não estivesse presente hoje. Em meio às perdas, frustrações e atrasos da vida, Jesus continua dizendo: “Teu irmão há de ressuscitar“. A pergunta é: estamos prontos para crer que o milagre pode acontecer agora, não apenas no fim dos tempos? Precisamos transformar nossa fé doutrinária em fé prática, abrindo espaço para que Cristo se manifeste no meio da dor, do luto, da crise — porque Ele ainda é a Ressurreição e a Vida no tempo presente. Hebreus 11:1 – “A fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não veem”. Efésios 3:20 – “Aquele que é poderoso para fazer infinitamente mais…” João 5:39-40 – “Examinais as Escrituras… e não quereis vir a mim para terdes vida”.   Quando a Ressurreição é Pessoa. Jesus não queria apenas consolar Marta com promessas futuras. Ele queria revelar quem Ele é. A doutrina que ela cria era verdadeira, mas incompleta sem a revelação do Cristo presente. Ele não é só o Salvador do fim, mas o Senhor do agora. Talvez você também saiba que um dia tudo será resolvido. Mas e se Jesus quiser fazer algo hoje? E se Ele estiver dizendo: “Teu irmão há de ressuscitar… agora”? A doutrina é o mapa → o milagre é o destino – mas a presença de Jesus é o caminho!

O Modelo Pastoral de João 10 é Exigente!

Modelo Pastoral de João 10

O Exigente Modelo Pastoral de João 10 No século XXI, o mundo fala alto — grita, dita tendências, empurra sistemas eclesiásticos para modelos empresariais, desafia as Escrituras e abafa a voz do céu. Em meio a esse cenário, o chamado pastoral resiste como um sopro do alto, uma convocação divina que insiste em formar pastores segundo o coração de Deus (Jr 3:15). João 10:1–16 não é um texto decorativo sobre Jesus, tampouco uma simples metáfora pastoril. Trata-se de um manifesto profético do próprio Cristo, revelando o que significa cuidar de almas. Em tempos onde a imagem do pastor é confundida com a de um gestor, coach ou celebridade gospel, o Bom Pastor se apresenta como modelo atemporal de missão, entrega e intimidade com o rebanho. Modelo Pastoral: A Porta e o Chamado O Acesso Legítimo Ainda é a Cruz “Na verdade, na verdade vos digo que aquele que não entra pela porta no aprisco das ovelhas, mas sobe por outra parte, é ladrão e salteador” (João 10:1, ARC). A primeira lição de Jesus é sobre legitimidade. O acesso ao ministério pastoral passa pela Porta, que Ele próprio afirma ser (Jo 10:9). Essa porta é símbolo de vocação legítima, nova vida e submissão à autoridade divina. Nos nossos dias, a porta tem sido trocada por escadas. Muitos sobem, mas não entram. Pulam etapas da formação espiritual, evitam o quebrantamento, recusam o deserto. Assumem púlpitos sem terem passado pela cruz. Há líderes que chegaram por: Esses não foram chamados — se apresentaram. Não foram enviados — se lançaram. O verdadeiro pastor não se autoproclama. Ele é comissionado pelo Céu, confirmado pelo rebanho e provado pelas tribulações. Num tempo em que o ministério é usado como carreira eclesiástica, João 10 nos confronta: só entra pela Porta quem já morreu para si e vive para Cristo. Inimigos do Modelo Pastoral: Ladrões, Mercenários e Lobos As Três Ameaças que evoluíram Jesus identifica e denuncia três perfis que não pertencem ao pastoreio bíblico: Esses inimigos não ficaram nos tempos bíblicos. Eles evoluíram com as estruturas religiosas modernas. O ladrão moderno: É o manipulador emocional que sequestra o afeto do povo para si. É o líder narcisista que constrói impérios com o nome de Deus, mas não para Deus. É o pastor-celebridade que acumula seguidores, mas não discípulos. Rouba a atenção do Cordeiro e a centraliza em sua imagem. O mercenário contemporâneo: É o pastor que prega, mas não vive. Exerce o cargo como meio de sustento, não como expressão de amor. Sente-se mais servidor da instituição que servo do Senhor. Quando o lobo chega — não protege, não luta, não chora — foge. O lobo atual: Atua de forma mais sutil: usa a teologia para relativizar verdades bíblicas, introduz heresias com aparência de profundidade, espiritualiza distorções morais, corrompe a doutrina sob o rótulo de “amor”. O pastor do século XXI precisa discernir e confrontar essas ameaças com coragem, graça e fidelidade à verdade. Modelo Pastoral: O Bom Pastor: Kalós Excelência no Cuidado “Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas”. (Jo 10:11). A palavra grega usada aqui para “bom” é kalós, que significa mais do que bondade ética: significa beleza, excelência, nobreza em ação. O Bom Pastor é: O contraste com os demais é gritante. O mercenário se beneficia do rebanho. O ladrão se aproveita dele. O lobo o devora. O Bom Pastor, no entanto, dá a sua vida. No contexto atual, isso significa: O ministério pastoral deve recusar o modelo corporativo e abraçar o modelo sacrificial. O pastor é um instrumento — não um ídolo. Modelo Pastoral: Intimidade que Cura Conhecer para Cuidar “Eu conheço as minhas ovelhas, e das minhas sou conhecido”. (Jo 10:14) A intimidade pastoral é mais que conhecer nomes — é conhecer dores, lutas, histórias, pecados. É estar disponível. Num tempo onde pastores estão atolados em reuniões, lives, eventos e obrigações institucionais, as ovelhas clamam por presença. A igreja moderna está em crise de afeto: A solução não está em novos métodos — está em retornar à essência: o cuidado personalizado. Jesus conhecia os discípulos, suas falhas, seus medos — e mesmo assim os amava. Esse é o ministério que cura. Modelo Pastoral: Outras Ovelhas O Rebanho Vai Além da Instituição “Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco…” (Jo 10:16). Aqui está o aspecto missionário e inclusivo do ministério pastoral. Jesus revela que seu rebanho não se limita ao contexto institucional. Hoje, isso nos desafia a: O pastor não pode viver preso, ele precisa: Modelo Pastoral: As Pressões do Século XXI Quando o Ministério Vira Combate O pastor moderno enfrenta pressões inéditas: a) Pressão política: Candidatos cortejam igrejas com promessas. Pastores viram cabos eleitorais. O evangelho é instrumentalizado. Há uma tensão entre fé e influência política. O verdadeiro pastor é como João Batista: não negocia com Herodes. b) Pressão institucional: A igreja vira empresa. O pastor, gerente. São cobrados resultados, não frutos. As reuniões valorizam cronogramas mais que oração. Alguns vivem exaustos, sem tempo para ouvir Deus. c) Pressão cultural: O mundo exige que o pastor mude o discurso. Pregações são suavizadas, o inferno é omitido, o pecado é reconfigurado. Mas o verdadeiro pastor não molda o evangelho ao mundo — molda o mundo pelo evangelho. d) Pressão emocional: Pastores enfrentam depressão, isolamento, críticas e cobranças desumanas. Muitos pensam em desistir. A saúde mental ministerial está em colapso silencioso. Em tudo isso, João 10 nos lembra: o Pastor verdadeiro permanece. Mesmo sangrando, Ele não foge do lobo. O Modelo Pastoral de Jesus: Entre o Lobo e as Ovelhas. Jesus se interpôs entre o lobo e as ovelhas. Ele não se escondeu atrás do sistema, nem mandou outro em seu lugar. Esse é o chamado para os pastores de hoje: “Eu dou a minha vida pelas ovelhas” (v.11). Esse é o modelo. Não é fácil. Não é glamoroso. Mas é divino. Pastores com Cruz, Voz e Coração. O rebanho do século XXI não precisa de pastores corporativos, gurus motivacionais ou celebridades. Precisa de

A Banalização do Dom de Línguas: “The King, The Power, The Best…” (Parte 3)

Banalização do Dom de Línguas

Este estudo é uma continuação de 2 partes anteriores: Dom de Línguas: Quando o Sagrado é Desfigurado A banalização do dom de línguas não é apenas um problema litúrgico ou estético – é um perigo doutrinário sério. Quando um dom concedido pelo Espírito Santo é deturpado por ignorância, vaidade ou manipulação, surgem consequências devastadoras para a espiritualidade individual e coletiva da igreja. A seguir, destacamos três riscos doutrinários centrais desse desvio. Espírito de Imitação: A Fé que Vira Teatro. Em muitos ambientes, especialmente entre jovens e novos convertidos, cria-se um ambiente onde falar em línguas é uma “obrigação invisível” para provar que alguém está “cheio do Espírito”. Essa pressão pode ser tão forte que muitos, mesmo sem experiência genuína, tentam imitar sons e gestos apenas para se sentirem aceitos ou espiritualmente validados. É comum ouvirmos testemunhos de irmãos dizendo: “Eu comecei a falar o que os outros estavam falando, até que um dia fui batizado de verdade…” — ou seja, reconhecendo que por um tempo apenas repetiram sons sem convicção interna. Essa prática não é apenas fruto de ignorância, mas de um ambiente sem ensino bíblico claro e sem discipulado saudável. O resultado é o surgimento de ajuntamentos onde todos parecem espirituais, mas poucos de fato experimentaram o poder transformador do Espírito. Gera-se uma liturgia barulhenta, mas com pouca profundidade. É um culto de ruídos — não de revelação. Paulo adverte: “Meus irmãos, não sejais meninos no entendimento, mas sede meninos na malícia, e adultos no entendimento”. (1 Coríntios 14:20) A maturidade espiritual não é medida por exteriorizações, mas pela capacidade de discernir e aplicar a Palavra. O culto em línguas não interpretadas, copiado mecanicamente, produz crentes miméticos, não discípulos cheios do Espírito. A imitação vazia é um grande desserviço à fé pentecostal O Efeito “Pedro e o Lobo” Espiritual. Outro efeito colateral da banalização é o descrédito do dom genuíno. Quando manifestações espirituais são constantemente manipuladas ou teatralizadas, a comunidade começa a desconfiar de todas elas, inclusive das verdadeiras. O povo de Deus, por autodefesa, desenvolve um ceticismo interno que rejeita qualquer sinal espiritual — mesmo quando o Espírito de fato está operando. Essa desconfiança gera dois problemas gravíssimos: O avivamento é enfraquecido. A oração perde fervor. E o povo se acostuma a cultos programados, previsíveis e seguros – mas sem o frescor do Espírito. O pior não é quando o dom é combatido por ímpios, mas quando é ridicularizado pelos próprios crentes, por conta do mau uso interno. É como ver o maná sendo pisado no deserto – por mãos que um dia o receberam com gratidão. Resistência ao Espírito Santo: Quando a Emoção Apaga a Presença Paulo, em sua carta aos tessalonicenses (5:19-21), deixa três advertências claras: O verbo “apagar” (sbennumi, no grego) é o mesmo usado para “extinguir fogo”. Ou seja, é possível silenciar ou abafar a atuação do Espírito, não por falta de clamor, mas por irreverência. Usar o Espírito como gatilho de aplauso, ou como plano de fundo emocional para validar falas humanas, é uma forma sutil de apagá-lo. Não o estamos negando abertamente – mas o estamos usando como ferramenta, e não como Senhor. Quando o Espírito é invocado para causar impacto, mas não para transformar vidas; quando é citado para emocionar, mas não para santificar; quando é usado como selo retórico, mas não como guia da verdade — Ele se retira. A consequência? Cultos cheios de volume, mas vazios de glória. Pregações eloquentes, mas sem unção verdadeira. Louvores ensaiados, mas sem quebrantamento. É possível apagar o Espírito sem nunca ter negado a sua existência — apenas trocando a reverência pela performance. A Banalização é Pecado? Sim. E não apenas um erro litúrgico ou uma falha de bom senso, mas um pecado com implicações sérias diante de Deus. Quando o que é santo é manipulado, falsificado ou usado para fins egoístas, a Escritura é clara: Deus não terá o culpado por inocente. Usurpação da Glória Divina: O Louvor Desviado ao Pregador “Eu sou o Senhor, este é o meu nome; a minha glória, pois, não a darei a outrem, nem o meu louvor às imagens de escultura“. (Isaías 42:8) Quando o dom é usado como estratégia de autopromoção – para exaltar o pregador, o ministério, a agenda ou o evento – a glória que deveria ser de Deus é desviada. Isso é idolatria carismática. O púlpito deixa de ser lugar de adoração, e se torna palco de vaidade espiritual. O dom é transformado em vitrine; o mover em marca; e o Espírito em figurante. Tudo gira em torno do homem “usado” — e não mais do Cristo exaltado. Usurpar a glória de Deus é um pecado sério – foi o erro de Lúcifer (Is 14:13-14), de Herodes (At 12:22-23), e de tantos outros que caíram por tocar no que era exclusivo de Deus. Mentira Espiritual: Falar o que o Céu não falou. A simulação de uma experiência espiritual – seja ela um falso batismo, uma “profecia” sem origem divina, ou um “falar em línguas” ensaiado – é, à luz das Escrituras, mentira espiritual. “Disse então Pedro: Ananias, por que encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo…? Não mentiste aos homens, mas a Deus“. (Atos 5:3-4) Ananias e Safira foram julgados não porque não ofertaram tudo – mas porque tentaram parecer mais espirituais do que eram. Isso é exatamente o que muitos fazem hoje: simulam espiritualidade para agradar o auditório, conquistar seguidores ou preservar reputações. Mentir ao Espírito é um dos pecados mais graves registrados no Novo Testamento. E não é cometido apenas com palavras – mas também com atitudes, intenções e encenações. Escândalo para os Pequenos: O Tropeço Que Tem Preço“Qualquer, porém, que fizer tropeçar um destes pequeninos que crêem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma grande pedra de moinho, e fosse lançado no fundo do mar“. (Mateus 18:6) Quando o uso irresponsável dos dons espirituais gera confusão nos mais novos na fé, ou leva crentes sinceros a imitar práticas que os

A Banalização do Dom de Línguas: “The King, The Power, The Best…” (Parte 2)

Banalização do Dom de Línguas

Você pode ler a parte 1 deste artigo AQUI Dom de Línguas: O Desvirtuamento Contemporâneo A Transformação do Dom em “Selo de Autoridade”. Em muitos círculos pentecostais modernos, especialmente os mais expostos às dinâmicas das redes sociais e aos grandes eventos religiosos, o dom de línguas tem sofrido uma perigosa mutação. De um instrumento divino de edificação pessoal e sinal espiritual, passou a ser, em muitos púlpitos, um símbolo informal de autoridade e validação ministerial. O que deveria ser um dom, tornou-se um atestado de poder espiritual – mesmo quando dissociado do caráter, da doutrina e da verdade bíblica. Esse fenômeno pode ser chamado de “clericalismo carismático“: a autoridade do pregador não emana mais do conhecimento das Escrituras nem da vida de santidade, mas da fluência performática em línguas. Quando um pregador, em meio a sua mensagem, interrompe para “falar em línguas”, muitos dos ouvintes interpretam isso como uma “confirmação divina” do que foi dito – ainda que a fala tenha sido teologicamente rasa ou até antibíblica. Isso inverte completamente o padrão das Escrituras. Em Atos dos Apóstolos e nas Epístolas, a autoridade espiritual dos líderes da Igreja era atestada por: Já o uso de línguas era espontâneo, reverente, e raramente feito em público de forma performática. De Elias a Jesus: A unção verdadeira não grita, transforma. Um texto crucial para esse debate é 1 Reis 19:11-12. O profeta Elias, cansado e deprimido, espera ouvir Deus no vento forte, no terremoto e no fogo – todos símbolos de poder visível e impressionante. Mas Deus não estava ali. Ele se manifestou num “sussurro suave e tranquilo” (qol demamah daqah, em hebraico – literalmente, “uma voz de silêncio delicado”. “…mas o Senhor não estava no vento… nem no terremoto… nem no fogo. E depois do fogo, uma voz mansa e delicada“. (1 Reis 19:11-12) Este texto ensina que o Espírito de Deus não precisa de barulho para ser presente. A glória do Senhor não depende do volume, mas da verdade. A unção não se mede por gritos em línguas, mas por vidas transformadas, pecadores arrependidos, e o nome de Jesus exaltado acima do ego do pregador. Quando se coloca as línguas como selo de autoridade sem interpretação, sem temor e sem discernimento, confunde-se unção com emoção, e autoridade espiritual com teatro religioso. Isso gera uma espiritualidade superficial e impulsiva, onde muitos são ensinados a “esperar o grito” para crer que “Deus falou”. O Uso Teatral das Línguas nas Redes Sociais: Espetáculo ou Escândalo? Vivemos a era da exposição total. Cultos transmitidos ao vivo, pregações recortadas em vídeos curtos, reels de 30 segundos com trechos de avivamento intenso… e, no meio disso, línguas estranhas performadas como parte do script. Não é raro ver pregadores falando de forma ensaiada, alternando entre piadas, frases de efeito e um repentino “momento de línguas” quase como um efeito especial emocional. Isso ocorre principalmente no Instagram, TikTok e YouTube, onde o tempo curto e o apelo emocional incentivam o uso de elementos que causem impacto. Mas o problema é grave. O que é sagrado está sendo manipulado como se fosse material de marketing. O Senhor Jesus advertiu seriamente sobre esse tipo de religiosidade de vitrine: “E, quando orares, não sejas como os hipócritas; porque gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão”. (Mateus 6:5) Ao expor as línguas publicamente com a intenção de validar a própria imagem espiritual ou gerar engajamento digital, está-se promovendo um tipo de glória que não vai para Deus, mas para o ego do pregador. O perigo do escândalo: quando o mundo zomba do que deveria respeitar. A superficialidade das redes sociais não só banaliza os dons como também alimenta o escárnio. Muitos vídeos com manifestações espirituais têm sido editados com músicas cômicas, memes e comentários irônicos – transformando o que é sagrado em objeto de zombaria. Jesus foi claro: “Ai do mundo por causa dos escândalos! porque é mister que venham escândalos, mas ai daquele homem por quem o escândalo vem!” (Mateus 18:7) O escândalo aqui não é simplesmente o tropeço moral – é qualquer atitude que leve os outros a desprezarem ou desconfiarem da fé. Quando o uso teatral das línguas é percebido por incrédulos como manipulação emocional, o Evangelho perde sua credibilidade diante dos olhos do mundo. Além disso, há um risco interno: muitos jovens crentes, influenciados por esses conteúdos, tentam imitar tais práticas, acreditando que assim serão espirituais. Isso pode gerar frustração, imaturidade espiritual e uma fé baseada na estética do culto e não na cruz de Cristo. A Espetacularização dos Dons: Um Avivamento Sem Cruz O teólogo pentecostal Frank Bartleman, participante do grande avivamento da Rua Azusa, em 1906, já alertava: “O que começou com lágrimas, quebrantamento e oração terminará em gritaria, barulho e carnalidade se não houver cruz“. Essa profecia se mostra atual. O uso irresponsável das línguas como elemento teatral revela um avivamento de superfície, sem quebrantamento real, sem arrependimento genuíno e sem fome pela Palavra. A cruz saiu do centro. Entraram os holofotes, o entretenimento religioso, e o “pentecostalismo instagramável“. Como Resgatar o Dom da Banalização? Honrar o Dom, Preservar a Glória de Deus. O falar em línguas é uma dádiva do céu. Mas quando se transforma em instrumento de vaidade ou marketing pessoal, deixa de ser dom – e se torna profanação. O Espírito Santo não se empresta a espetáculos. Ele é Santo. Ele guia à verdade. Ele glorifica Cristo. E toda manifestação que desonra Cristo, confunde a Igreja ou escandaliza o mundo não vem do Espírito, ainda que pareça espiritual. O Uso das Línguas na Vida Coletiva da igreja: Ordem, Edificação e Discernimento Falar em línguas é bênção – mas deve ter direção no corpo. O dom de línguas, como manifestação espiritual concedida pelo Espírito Santo, é considerado por muitos pentecostais como a evidência inicial do batismo no Espírito, com base em Atos 2:4, Atos 10:46 e Atos 19:6. Ainda que essa convicção seja

A Banalização do Dom de Línguas: “The King, The Power, The Best…” (Parte 1)

Banalização do Dom de Línguas

A Banalização do Dom de Línguas Um vídeo viral. Um pregador, entre um bordão de efeito e uma risada ensaiada, solta algumas frases em línguas. A congregação entra em euforia. Os comentários se multiplicam: “Que poder!”, “Olha a unção!”, “Isso sim é fogo!”. Mas, entre os aplausos e a comoção, fica uma pergunta que parece esquecida: o que a Bíblia realmente ensina sobre isso? O dom de línguas, também conhecido como glossolalia, é um dos sinais mais marcantes do mover do Espírito Santo entre o povo de Deus – um fenômeno de natureza celestial, espiritual e profundamente reverente. Desde o Pentecostes, ele tem sido associado à manifestação sobrenatural do poder divino, à oração íntima entre o espírito humano e Deus, e à evidência de batismo com o Espírito Santo, conforme creem as tradições pentecostais clássicas. Entretanto, nos últimos anos, esse dom tão precioso tem sido gradualmente esvaziado de sua função original e redirecionado para usos que nada têm a ver com a edificação espiritual ou com a glória de Deus. Transformou-se, em muitos casos, em um elemento de performance religiosa, um artifício de oratória emocional, uma “prova de fogo” para validar mensagens rasas, carismas manipulados e vaidades disfarçadas de fervor. E assim, o que era para ser um sinal sagrado, tornou-se muitas vezes um selo teatral de autoridade improvisada. O dom, que deveria elevar corações ao céu, é usado para provocar aplausos na terra. O Espírito, que atua com profundidade e liberdade, é invocado para criar um clima, um ambiente ou um “efeito de palco”. Isso não significa, de forma alguma, que devamos desprezar o dom de línguas. Pelo contrário! O que se propõe neste artigo é exatamente o resgate da dignidade, da teologia e da reverência que cercam este dom tão especial. A banalização não se combate com silêncio, mas com luz. Precisamos estudar, compreender e aplicar corretamente o que as Escrituras ensinam sobre o dom de línguas — desde sua origem em Atos dos Apóstolos, seu uso prático em 1 Coríntios 12–14, até sua aplicação segura e frutífera na igreja contemporânea. Se desejamos que o fogo do Pentecostes continue aceso em nossos dias, não podemos alimentar o fogo estranho do espetáculo religioso. Que o Espírito Santo, o mesmo que concedeu o dom, nos conceda também discernimento, reverência e fidelidade à sua Palavra. A Origem e o Significado do Dom de Línguas nas Escrituras A expressão “línguas estranhas” é uma adaptação tradicional nas traduções pentecostais da Bíblia, usada para descrever o dom espiritual de falar em uma linguagem não compreendida naturalmente pelo orador. No texto grego do Novo Testamento, a palavra usada é glóssa (γλῶσσα) — que pode significar tanto “idioma” quanto “língua” literal. Já a construção lalein glóssais (“falar em línguas”) refere-se a uma fala articulada inspirada pelo Espírito Santo. O fenômeno das línguas aparece de modo notável em duas principais categorias nas Escrituras: (1) Em Atos 2: Línguas humanas sobrenaturais — sinal da expansão do Reino. O primeiro registro do dom está em Atos 2, no dia de Pentecostes. Ali, os 120 discípulos foram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas (glóssais), conforme o Espírito lhes concedia que falassem. Mas o texto deixa claro: as línguas eram inteligíveis aos estrangeiros ali presentes, cada qual ouvindo em sua própria língua natal: “Todos os temos ouvido em nossas próprias línguas falar das grandezas de Deus.” (At 2:11) Este episódio tem forte carga missiológica e escatológica. O Pentecostes reverte o episódio de Babel (Gn 11), onde Deus confundiu as línguas; agora, Ele une as nações através do poder do Espírito. É também um cumprimento da profecia de Joel (Jl 2:28-32), sinalizando que os últimos dias haviam começado. As línguas foram, portanto, um sinal de inclusão universal: o Evangelho não era mais apenas para judeus, mas para todos os povos. (2) Em 1 Coríntios 12–14: Línguas espirituais como dom para a edificação. Nos capítulos 12 a 14 da Primeira Carta aos Coríntios, Paulo apresenta o dom de línguas em outro aspecto: não como sinal de expansão missional, mas como dom carismático de expressão espiritual no contexto da igreja local. Aqui, as línguas são descritas como: Note que o mesmo dom pode servir a diferentes propósitos: em Atos, ele serve à evangelização e proclamação pública. Em Corinto, à edificação privada e comunal, quando em ordem. Isso demonstra que o Espírito Santo é multiforme em suas manifestações (1 Co 12:4), e que a finalidade do dom muda conforme o contexto — mas nunca sua fonte: o Espírito Santo. Uma manifestação espontânea e divina, jamais manipulável. Tanto em Atos quanto em Coríntios, as línguas são descritas como resultado direto da ação soberana do Espírito Santo. O termo usado em Atos 2:4 — como o Espírito lhes concedia que falassem — indica que o impulso não vinha do homem, mas da iniciativa divina. Não há em nenhum texto bíblico indícios de que as línguas pudessem ser treinadas, aprendidas ou provocadas artificialmente. Esse é um ponto teológico importante, pois nos previne contra práticas de manipulação emocional que se travestem de espiritualidade. A verdadeira glossolalia é: Jamais se trata de uma performance vocal ou repetição mecânica de sons. A Dimensão Teológica do Dom: Tesouro Espiritual com Direção Bíblica Um dom carismático: graça concedida, não habilidade construída. Os dons do Espírito são chamados, no Novo Testamento, de charísmata — plural de charisma (χάρισμα), que significa literalmente “presente gracioso” ou “dom imerecido”. A raiz da palavra é charis, que significa graça. Isso nos leva a uma conclusão teológica fundamental: os dons espirituais não são recompensa por mérito, nem conquista por esforço. “Mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer”. (1 Coríntios 12:11) Portanto, o dom de línguas não pode ser ensinado, treinado ou ensaiado. Ele é uma manifestação sobrenatural da graça de Deus, concedida conforme Sua soberana vontade. A tentativa de imitar sons, repetir sílabas ensinadas ou simular manifestações para se encaixar em ambientes religiosos é espiritualmente perigosa. Não apenas pode gerar autoengano, mas

A Marca da Falsa Religiosidade: Resistência à Verdade (5)

resistência a verdade

Resistência à Verdade É curioso – e profundamente alarmante – perceber que a maior resistência à Verdade não parte necessariamente do ateísmo declarado ou de ideologias seculares, mas muitas vezes surge dentro dos próprios muros da religiosidade. Não é um fenômeno moderno. Quando a Verdade se fez carne e habitou entre nós, foi rejeitada por aqueles que mais estudavam as Escrituras, que mais oravam, que mais jejuavam, que mais falavam sobre Deus. Os escribas e fariseus, líderes religiosos da época, foram os principais opositores de Jesus. Eles não ignoravam a Lei, mas a manipulavam. Eles não rejeitavam o culto, mas o transformavam em palco de vaidade. Quando Jesus se apresenta como a Verdade viva — revelando o Pai, expondo o pecado, oferecendo graça — eles se incomodam, se irritam, e tramam sua morte. A narrativa da mulher adúltera em João 8 é um retrato dramático dessa resistência religiosa à Verdade. Os líderes trazem uma mulher apanhada em flagrante adultério. Mas não estão ali por zelo à Lei — estão ali por hipocrisia e perversidade. Usam a Lei como armadilha, e a mulher como isca. Querem colocar Jesus em contradição: se Ele absolver, será acusado de anular a Lei de Moisés; se ordenar o apedrejamento, será denunciado às autoridades romanas. Mas Jesus, o Verbo que penetra pensamentos e intenções, expõe a nudez espiritual deles com uma única sentença: “Aquele que dentre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra” (Jo 8.7). O silêncio que se segue é mais revelador que mil palavras. Um a um, os acusadores vão embora. Não porque se arrependeram — mas porque foram desmascarados. A Verdade tem esse poder: ela não apenas ensina — ela confronta, desnuda, perturba. Quem ama o pecado odeia a verdade. Quem vive de aparência teme a luz. Esse texto nos leva a uma dura constatação: a religião, quando divorciada da verdade viva de Cristo, torna-se um instrumento de manipulação, controle e julgamento. Os escribas e fariseus conheciam as Escrituras, mas não reconheciam Aquele de quem elas testificavam. Eram guardiões da letra, mas mortos espiritualmente. Sabiam interpretar regras, mas não discerniam a graça. Eram mestres de Israel, mas escravos do orgulho e da vaidade. E aqui está o ponto central: a maior cegueira é aquela que se veste de luz. É possível estar dentro do templo e fora do Reino. É possível falar em nome de Deus e, ainda assim, resistir à Sua voz. A religiosidade sem Cristo produz pessoas que amam os símbolos da fé, mas rejeitam sua substância. A resistência à verdade continua em nossos dias – com novas roupagens, mas com a mesma raiz. Em muitas igrejas, há quem prefira uma “verdade editada”, moldada às expectativas humanas, polida para não confrontar, suave para não ofender. Há líderes que se irritam com a pregação fiel do arrependimento, que rejeitam o ensino da cruz, que censuram a doutrina da santidade como se ela fosse legalismo. Para manter seus impérios religiosos, muitos evitam a Verdade que liberta, porque ela também derruba, desfaz, quebra. Quando a Verdade entra em uma igreja, o pecado tem que sair. Quando Cristo reina, os ídolos da tradição, do orgulho denominacional e das doutrinas humanas são lançados por terra. Por isso, muitos preferem manter Jesus como símbolo — mas não como Senhor. O apóstolo Paulo, prevendo esse cenário, escreveu a Timóteo: “Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, tendo comichão nos ouvidos, amontoarão para si doutores conforme as suas próprias concupiscências; e desviarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas” (2 Tm 4.3-4). Note: o problema não é a ausência de doutrina, mas o desprezo pela doutrina sadia. As pessoas não querem ouvir a Verdade — querem mestres que confirmem seus desejos. A igreja, então, corre o risco de tornar-se um teatro de emoções ou uma empresa de marketing espiritual, onde o público dita a mensagem, e a cruz é trocada por slogans motivacionais. Contudo, a Verdade não pode ser cancelada. Ela é eterna. Não importa quantas pedras sejam levantadas contra ela, quantas portas se fechem, quantos pregadores a distorçam — a Verdade continua viva. Jesus não apenas falou a verdade — Ele é a Verdade. E é justamente por isso que sua presença incomoda. Onde Ele entra, há confronto. Suas palavras são como espada afiada: cortam o engano, ferem o orgulho, removem as máscaras. Mas também curam, restauram, libertam. Ele não veio para proteger reputações religiosas, mas para salvar pecadores sinceros. Ele não veio para confirmar estruturas, mas para edificar um Reino que não se baseia em aparência, mas em justiça, paz e alegria no Espírito. A resistência religiosa, portanto, não é apenas um problema dos outros. É uma ameaça constante para todos nós. Todo cristão corre o risco de tornar-se fariseu. Toda igreja corre o risco de tornar-se sinagoga do ego. Toda liderança espiritual corre o risco de resistir ao novo mover de Deus por apego à tradição, à liturgia, ao costume. Por isso, devemos constantemente nos colocar diante da Palavra, pedindo ao Espírito Santo que nos mostre se estamos, de alguma forma, resistindo à Verdade. Às vezes, a resistência se esconde atrás da defesa da ortodoxia, outras vezes se camufla sob a desculpa de “não escandalizar ninguém”. Mas Cristo nunca foi diplomático com o pecado. Ele foi cheio de graça — mas também cheio de verdade. Quem ama como Ele ama, confronta como Ele confronta. A mulher adúltera representa todos nós. Pecadores, expostos, envergonhados, sem argumento de defesa. Diante da Verdade, nossa melhor resposta é o arrependimento. Não podemos jogar pedras — devemos nos ajoelhar. A reação dos fariseus ao deixarem o local não é sinal de temor, mas de orgulho ferido. Eles não quiseram se render. Preferiram recuar em silêncio do que quebrantar-se em arrependimento. E é aqui que mora o perigo: podemos resistir à Verdade e, ao mesmo tempo, continuar no templo, continuar no ministério, continuar na aparência religiosa. Mas isso é morte espiritual com verniz sagrado. Na aplicação prática, a igreja precisa urgentemente voltar-se à centralidade

A Igreja dos Meninos, dos Pastores Oportunistas e dos Pregadores Mirins

igreja dos meninos

A Igreja dos Meninos, alimentada espiritualmente por adolescentes e mentorada por Oportunistas Sim, vivemos um tempo em que o termômetro da maturidade espiritual da igreja evangélica brasileira revela algo alarmante: estamos sendo seduzidos mais por espetáculos de retórica infantilizada do que pela sólida exposição da Palavra de Deus. A ascensão dos pregadores e profetas mirins, como Vitória Souza e Miguel Oliveira, não é apenas um fenômeno curioso — é um sintoma de uma profunda infantilização espiritual e comercialização do evangelho. O Fenômeno dos Pregadores Mirins: Um Show à Parte da Bíblia Crianças e adolescentes, ainda em formação emocional, espiritual e cognitiva, estão sendo exaltadas como “porta-vozes do céu”. São levadas a púlpitos inflados de expectativas irreais, transformadas em “prodígios” da oratória. O que deveria ser um tempo de discipulado, crescimento e reverência, torna-se palco para aplausos, viralizações e… transações financeiras. É triste reconhecer: esses “mini-ministérios” muitas vezes não são movidos por vocação genuína, mas pelo lucro, pela busca de influência e pela exibição pública de algo que, no fundo, ainda é imaturo. Pastores ou Mercadores da Fé? Quem Patrocina, Financia e Por Quê A pergunta que urge ser feita é: que tipo de liderança pastoral promove, agenda e financia esses eventos? Em muitos casos, a motivação é simples: Esses pastores, longe de proteger o rebanho, expõem suas ovelhas ao risco do engano e da infantilização espiritual. Muitos esquecem que Deus chamou líderes para apacentar, e não para entreter. A igreja vira palco; o culto vira show; e o púlpito, um picadeiro. E o pior: há dinheiro envolvido. Dinheiro entregue publicamente às crianças após suas apresentações. Ofertas que incentivam não a fé, mas o estrelismo precoce. Tudo sob o disfarce de “honrar o profeta”. O Escândalo das Línguas Montadas e dos Sinais Falsificados Os casos recentes são gritantes: Isso não apenas gera escândalo dentro do corpo de Cristo, mas também expõe o Evangelho ao ridículo diante do mundo. Como o apóstolo Paulo advertiu: “O nome de Deus é blasfemado entre os gentios por causa de vós” (Romanos 2:24). Em vez de vermos a manifestação da verdadeira glória de Deus, assistimos a performances que, longe de edificar, mancham a reputação da igreja. Uma Igreja Infantilizada e Carente de Discernimento O que revela o culto aos pregadores mirins? A triste verdade: a igreja brasileira, em grande parte, perdeu seu senso de discernimento. É como se tivéssemos esquecido que Deus nos chamou a crescer “à medida da estatura completa de Cristo” (Efésios 4:13), e não à estatura emocional de crianças mimadas. Uma igreja madura: O Impacto Real: A Crítica e a Vergonha Pública Não é apenas dentro das igrejas que esses abusos estão sendo criticados. O mundo também observa e zomba: A consequência? A imagem da Igreja — que deveria ser “coluna e baluarte da verdade” (1 Timóteo 3:15) — é associada ao charlatanismo infantil. O escândalo não é só deles: é nosso também, como corpo de Cristo que, em muitos casos, se calou ou aplaudiu em vez de corrigir. Chamado Urgente à Igreja Brasileira A hora é agora. Precisamos urgentemente: Em vez de nos encantarmos com “pequenos grandes oradores”, precisamos orar por uma geração cheia da Palavra, do Espírito, da Verdade e da Cruz. Chamados à Estatura de Cristo, Não à do Espetáculo A maturidade da igreja não se mede pela capacidade de crianças emocionarem plateias. Mede-se pela capacidade de a igreja ensinar a verdade em amor (Efésios 4:15), formar discípulos genuínos e gerar frutos duradouros. Enquanto a infantilização e a espetacularização continuarem sendo celebradas, não estaremos crescendo, mas retrocedendo. Que voltemos ao modelo bíblico de ministério: “Apascenta as minhas ovelhas” (João 21:17). E não: “Monetiza as minhas visualizações”. A Igreja brasileira precisa urgentemente deixar de ser plateia e voltar a ser povo santo. Conclusão Uma igreja que se satisfaz com shows de pré-adolescentes no púlpito revela não apenas uma infantilização espiritual, mas também uma crise profunda de discernimento. A liderança, em vez de formar discípulos maduros, exibe crianças como troféus da fé, enquanto a congregação, sedenta por novidades, aplaude performances emotivas, mas vazias de substância bíblica. O que deveria ser um ambiente de formação espiritual tornou-se um palco onde a juventude imatura é exposta à pressão, ao estrelismo e aos riscos espirituais de uma glória prematura. Esse cenário, porém, não surge por acaso: é alimentado por pastores oportunistas, que exploram o encanto da infância para atrair multidões, gerar lucro e ganhar notoriedade pessoal. Sob a capa de “incentivar novos talentos”, promovem pregadores mirins que muitas vezes repetem frases decoradas e praticam atos performáticos em nome do Espírito Santo, distorcendo a simplicidade do evangelho. No fim, todos perdem: a igreja se torna rasa, os jovens são usados e abandonados, e o nome de Cristo é exposto ao escárnio. Esse “trio que bomba” é, na verdade, o prenúncio de uma igreja fraca, vulnerável e distante da estatura de Cristo.

Papa Francisco Morreu: e Agora Igreja? (4)

morte papa Francisco

Papa Francisco morreu Na manhã desta segunda-feira, 21 de abril de 2025, o mundo católico foi surpreendido com a notícia da morte do Papa Francisco, aos 88 anos, na Casa Santa Marta, no Vaticano. O pontífice argentino, nascido Jorge Mario Bergoglio, foi o primeiro papa latino-americano e o primeiro jesuíta a ocupar o suposto trono de Pedro. Sua partida encerra um ciclo incomum, marcado por rupturas com o tradicionalismo romano e pela tentativa de uma guinada pastoral no catolicismo mundial. Para o público protestante, especialmente os evangélicos históricos e pentecostais, a figura de Francisco sempre foi observada com cautela, mas também com atenção. Afinal, sua linguagem pastoral, seu tom humilde e sua preocupação com temas sociais o tornaram, para muitos, um “papa simpático”, mesmo entre aqueles que discordam veementemente da teologia eclesiástica romana. 1. Um Papa “das Margens” Francisco assumiu o papado em 2013, após a histórica renúncia de Bento XVI. Desde o início, surpreendeu ao rejeitar os símbolos da pompa papal e optar por um estilo de vida mais simples. Em vez dos aposentos pontifícios, permaneceu na Casa Santa Marta; trocou o trono por uma cadeira simples; e constantemente falava sobre misericórdia, inclusão e compaixão. Para muitos evangélicos, sua postura causava estranhamento, mas também admiração. Afinal, Jesus também nasceu nas margens e andou entre os desprezados. No entanto, a simpatia não anulava as diferenças profundas entre a mensagem do Evangelho conforme a Reforma Protestante e os fundamentos doutrinários romanos. 2. A Agenda Social: Convergência e Divergência Francisco foi um defensor da justiça social. Denunciou a desigualdade econômica, promoveu o cuidado com a criação (especialmente através da encíclica Laudato Si’), e enfatizou a hospitalidade com imigrantes, refugiados e marginalizados. São temas que, por vezes, dialogam com a missão evangélica de amar o próximo. Contudo, sua abordagem nem sempre teve fundamento bíblico sólido – ao menos na perspectiva protestante. Muitos viram em sua ênfase humanista uma diluição do evangelho salvador de Cristo, substituído por um evangelho social. Como alertou o apóstolo Paulo: “Ai de mim se não pregar o evangelho!” (1 Co 9:16). O Evangelho não pode ser reduzido a ações de justiça, embora estas devam acompanhá-lo. 3. Reforma na Cúria e escândalos internos Outro marco do pontificado de Francisco foi sua tentativa de reformar a Cúria Romana e enfrentar os escândalos sexuais que assolam a Igreja Católica há décadas. Com certo êxito, ele trouxe à tona temas antes abafados, exigiu prestação de contas e promoveu a transparência. Para os protestantes, este é um ponto sensível. A estrutura eclesiástica católica, com seu clericalismo e centralização papal, sempre foi motivo de crítica. O esforço de Francisco, ainda que corajoso, evidenciou um sistema em crise. Lutero, há 500 anos, já denunciava a podridão nas estruturas clericais – e não há dúvida de que, em muitos aspectos, a ferida segue exposta. 4. O Papa e os Protestantes Francisco buscou o diálogo ecumênico com líderes evangélicos. Encontros com pentecostais, gravações de vídeos com apelos à unidade e sua insistência na “irmandade cristã” foram notórios. Contudo, essa “unidade” proposta por Roma levanta sérios questionamentos. Unir-se sem verdade doutrinária é risco de comunhão falsa. Como protestantes, cremos que a unidade não pode ser apenas institucional, emocional ou simbólica. Ela precisa ser fundamentada na verdade do Evangelho: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (Jo 17:17). Enquanto doutrinas como o purgatório, a mariolatria e a autoridade papal persistirem, a verdadeira comunhão espiritual será impossível. 5. A Morte de um Líder: Reflexão e Prudência Com a morte de Francisco, o mundo católico entra em luto e expectativa. Um novo conclave será convocado, e o futuro da Igreja Romana dependerá do perfil do próximo papa. Para nós, protestantes, este é um momento de oração e reflexão. Oremos para que o Espírito Santo levante em meio ao catolicismo homens e mulheres que conheçam e preguem o verdadeiro Evangelho. Oremos também para que os evangélicos saibam distinguir entre simpatia humana e fidelidade bíblica. Conclusão: Nem Exaltação, Nem Desprezo – Mas Discernimento O Papa Francisco partiu. Como figura religiosa global, deixou marcas, levantou debates e mobilizou multidões. Mas como cristãos reformados, não o exaltamos como “santo padre”, nem o desprezamos com arrogância. Reconhecemos que Deus usa até estruturas falhas para manifestar sua soberania (Pv 21:1). Nosso chamado é à vigilância, à fidelidade doutrinária e à proclamação da verdade do Evangelho: Jesus Cristo é o único Mediador entre Deus e os homens (1 Tm 2:5). Nem Roma, nem Reformadores, nem líderes evangélicos têm autoridade final – a Palavra de Deus é nossa regra de fé e prática. Que o Senhor levante uma geração que adore em espírito e em verdade, e que permaneça firme no Evangelho, em meio a tempos de transição, confusão e sedução religiosa.

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