A Igreja e a Verdade
Se Jesus é a Verdade, então a Igreja não pode ser neutra diante dessa realidade. O corpo de Cristo é chamado não apenas a crer na verdade, mas a sustentá-la, vivê-la e proclamá-la. A responsabilidade eclesiológica diante da verdade é imensa. Paulo, escrevendo a Timóteo, afirma com clareza que a igreja do Deus vivo é a “coluna e firmeza da verdade” (1 Tm 3.15). Essa imagem arquitetônica não é acidental. A igreja, como coluna, sustenta visivelmente aquilo que é invisível aos olhos naturais: a verdade eterna de Deus revelada em Cristo Jesus. Não se trata de uma verdade moldável pela cultura, nem de uma convenção teológica. Trata-se da verdade que emana do próprio caráter de Deus e que foi encarnada em Jesus Cristo, como vimos nos textos anteriores.
Na cultura contemporânea, essa função da igreja tem sido frequentemente relativizada. Muitas comunidades, temendo rejeição, querem ajustar a mensagem ao espírito do tempo. Porém, como dizia Francis Schaeffer, “adaptar-se à cultura sem crítica é o primeiro passo para a apostasia”. A igreja não existe para agradar o mundo, mas para confrontá-lo em amor com a verdade salvadora do Evangelho. Como então podemos ser coluna e firmeza da verdade se começamos a negociar os alicerces que nos sustentam?
O primeiro passo é reconhecer que a verdade não nasce na igreja – ela nos foi confiada. A igreja não é dona da verdade, ela é sua depositária. Judas, o servo do Senhor, exorta os crentes a “batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos” (Jd 3). O verbo “batalhar” é forte: implica em luta, resistência, vigilância. A fé cristã não é um conjunto de ideias frágeis a serem constantemente revisadas – é uma revelação objetiva, clara e suficiente. A Palavra de Deus não muda. A verdade sobre o pecado, sobre a cruz, sobre o juízo, sobre a graça, sobre o céu e o inferno permanece a mesma, ainda que todas as tendências culturais se alterem.
O teólogo escocês James Bannerman escreveu: “A igreja visível é guardiã da verdade de Deus neste mundo, e o dia em que ela abandonar esse papel, perde sua razão de existir.” Isso significa que a função doutrinária da igreja é irrenunciável. Mas a defesa da verdade não é apenas tarefa de teólogos ou púlpitos – é chamada de todo o corpo. O culto, a comunhão, a liturgia, os relacionamentos e as decisões eclesiásticas devem estar ancoradas na verdade. Uma igreja que ora, mas não caminha na verdade, é um edifício bonito com fundações podres. Uma igreja que canta, mas não prega a verdade, é como um coral em um navio afundando. Uma igreja que se preocupa em acolher, mas evita confrontar, prepara pessoas para o inferno com sorrisos e abraços.
Para ser uma verdadeira coluna da verdade, a igreja precisa primeiro amar a verdade. Em 2 Tessalonicenses 2.10, Paulo fala de pessoas que “não receberam o amor da verdade para se salvarem”. Ou seja, a verdade não é apenas algo que se aceita racionalmente – é algo que se ama com o coração. A igreja não pode amar o conforto mais do que a verdade. Não pode amar o número de membros mais do que a santidade. Não pode amar os aplausos mais do que a aprovação do Céu. A verdade precisa ser buscada em oração, estudada com zelo, proclamada com temor e defendida com coragem.
Em segundo lugar, a igreja precisa viver a verdade. A grande acusação de Jesus contra os fariseus não era que eles ensinavam falsamente – era que não viviam o que pregavam. Em Mateus 23, Ele os chama de “sepulcros caiados”, bonitos por fora, mas podres por dentro. Uma igreja que prega a verdade, mas vive em mentira, escandaliza o Evangelho. Isso vale para seus líderes, para sua liderança moral, para seu compromisso com a integridade em todos os níveis. A verdade vivida é o maior sermão. Como disse Charles Spurgeon: “Um testemunho coerente vale mais do que mil palavras bem colocadas.”
Além de amar e viver a verdade, a igreja precisa também proclamar a verdade. Romanos 10.17 afirma: “a fé vem pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus.” A igreja não gera salvação — mas ela proclama o caminho da salvação. O Evangelho é poder de Deus para todo aquele que crê (Rm 1.16), mas para isso precisa ser anunciado, com fidelidade e clareza. Muitas igrejas têm transformado seus púlpitos em palanques de autoajuda, em palcos de entretenimento religioso, em centros de mensagens terapêuticas. Nada disso liberta. Apenas a verdade liberta. E somente a verdade pregada com fidelidade glorifica a Deus e transforma corações.
Importante dizer: a proclamação da verdade deve vir acompanhada de graça. João 1.14 descreve Jesus como cheio de “graça e verdade” – e não um à custa do outro. Há igrejas que falam a verdade, mas sem graça. Ferem sem curar, condenam sem restaurar. Por outro lado, há aquelas que falam de graça sem verdade — e, por isso, tornam-se cúmplices do pecado, em nome de um amor distorcido. A verdadeira igreja não escolhe entre graça ou verdade – ela abraça as duas. Ela acolhe o pecador, mas chama ao arrependimento. Ela recebe com amor, mas exorta com firmeza. Ela perdoa, mas não relativiza.
Além disso, ser coluna da verdade é também discipular com a verdade. A Grande Comissão em Mateus 28.19-20 nos ordena a ensinar tudo o que Jesus ordenou. O discipulado é mais do que ensinar versículos decorados — é formar caráter segundo Cristo. E isso só acontece quando a verdade molda o coração, renova a mente e transforma os relacionamentos. Igrejas saudáveis não são apenas aquelas que atraem multidões — são aquelas que formam discípulos alicerçados na verdade.
A igreja também exerce sua função como coluna da verdade ao corrigir o erro doutrinário e moral. Isso inclui disciplina eclesiástica, um tema negligenciado hoje. A igreja de Corinto, por exemplo, foi repreendida por Paulo por tolerar o pecado (1 Co 5). A verdade exige coragem para corrigir. Não com espírito de arrogância, mas com zelo pelo nome de Cristo e amor pelas almas. Dietrich Bonhoeffer, mártir alemão, disse: “Nada pode ser mais cruel do que a indulgência que deixa o irmão continuar no pecado. Nada pode ser mais compassivo do que a repreensão severa que chama o irmão de volta do caminho da perdição.”
Por fim, ser coluna da verdade é também esperar pela verdade gloriosa que há de se manifestar. Em Apocalipse 19.11, João vê o céu aberto e alguém montado em um cavalo branco, “e o seu nome é Fiel e Verdadeiro”. Cristo voltará — e a verdade será plenamente estabelecida. As mentiras dos homens, dos governos, das religiões falsas e dos falsos cristos serão destruídas. A verdade triunfará. Até lá, a igreja tem a santa missão de ser embaixada da verdade no mundo. Somos peregrinos, sim, mas não alienados. Estamos no mundo, mas não somos do mundo. Nossa função é pregar, viver, proclamar e guardar a verdade até que Ele venha.
Portanto, que cada igreja local reflita: somos de fato colunas da verdade, ou estamos apenas fingindo ser? Estamos sustentando a verdade com coragem, ou negociando com o erro por conveniência? Estamos moldando pessoas segundo Cristo, ou apenas satisfazendo preferências religiosas? A verdade é firme, gloriosa, viva — e ela tem um nome: Jesus. A igreja que vive nele, viverá pela verdade. A igreja que se afastar dele, perderá sua razão de ser. Como disse John Stott: “Se a igreja não proclamar a verdade de Deus, quem o fará?”
