A Doutrina da Adoção no Evangelho de João
Um dos maiores privilégios da fé cristã não é apenas ser perdoado ou salvo, mas ser feito filho de Deus. João, o apóstolo do amor, expressa essa verdade com clareza em seu Evangelho:
“Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que creem no seu nome, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.” (João 1:12-13, ARC)
Esses versículos encerram uma das doutrinas mais belas e profundas do Novo Testamento: a adoção espiritual. Mais do que uma metáfora afetiva, ser “filho de Deus” é uma posição legal e espiritual concedida por meio da fé em Cristo. É um milagre de graça, operado soberanamente por Deus em todo aquele que crê.
- Exegese de João 1:12-13
a) “Mas a todos quantos o receberam…” (v.12). O termo “receberam” no original grego é ἔλαβον (élabon), derivado de lambanō, que significa acolher com intenção e fé. Não é uma recepção passiva, mas um ato de confiança voluntária. João não fala de um “acreditar genérico”, mas de um acolhimento pessoal e consciente de Jesus como Salvador e Senhor.
b) “…deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus”. A palavra traduzida como “poder” é ἐξουσία (exousía), que denota autoridade legal, direito, prerrogativa. Ou seja, Deus concede não apenas a promessa, mas o direito legal de adoção espiritual. A pessoa passa a gozar de plena cidadania espiritual (cf. Ef 2:19).
O termo “filhos” aqui é τέκνα (tékna) — filhos por nascimento. Em outros textos, como Romanos 8:15, Paulo usa υἱοί (huioí) — filhos na posição legal de herdeiros. Ambos apontam para intimidade e herança com o Pai celestial.
c) “…aos que creem no seu nome”. Crer no nome (το ὄνομα αὐτοῦ – to ónoma autoû) é uma expressão hebraica que significa crer na totalidade da pessoa e obra de Cristo. O nome representa tudo o que Jesus é: sua missão, caráter, autoridade e glória (cf. Fp 2:9-11).
d) “…os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.” (v.13)

João exclui três formas comuns de origem humana:
- Sangue – herança natural, linhagem familiar
- Vontade da carne – desejo humano, impulso carnal
- Vontade do homem – vontade individual, plano pessoal
O novo nascimento que confere a filiação é espiritual, não biológico, nem psicológico. Ele provém diretamente de Deus (cf. Jo 3:5-6; Tg 1:18).
- Adoção Espiritual: Uma Dádiva de Graça
a) Não é conquista, é presente. Ninguém se torna filho de Deus por mérito, boas obras, religiosidade ou linhagem étnica. É pura graça, acessível somente pela fé (Ef 2:8-9; Gl 3:26).
b) Adoção é transformação de identidade. O crente não é apenas alguém que “melhorou de vida”. Ele é nova criatura (2 Co 5:17), com novo nome, novo coração e nova posição diante de Deus. Ele sai do império das trevas e entra no Reino do Filho do amor de Deus (Cl 1:13).
c) Adoção é segurança eterna. Se somos filhos, somos herdeiros (Rm 8:17). A adoção implica pertença definitiva. Deus não adota para depois rejeitar. Ele sela com o Espírito e garante a herança (Ef 1:13-14).

- Aplicações para Professores da Escola Dominical
a) Ensinar a identidade do crente. Muitos alunos vivem em insegurança espiritual porque não compreendem sua nova identidade em Cristo. Professores devem reforçar: você não é mais um órfão espiritual. Você é filho amado, herdeiro, protegido e capacitado por Deus.
b) Evitar reducionismos do evangelho. Não se deve apresentar o evangelho apenas como “escape do inferno”. O chamado é mais sublime: tornar-se filho de Deus e participante da Sua natureza (2 Pe 1:4). Isso eleva o discipulado a um patamar de relacionamento profundo com o Pai.
c) Refutar a crença universalista de que todos são filhos de Deus. Embora todos sejam criaturas de Deus (At 17:28), só é filho quem nasceu de novo em Cristo. Professores devem ensinar essa distinção com amor, mas com firmeza bíblica (Jo 8:44; Gl 4:4-6).
d) Despertar a vivência da filiação. A doutrina da adoção deve resultar em vida de intimidade, obediência e confiança. Professores podem convidar seus alunos a orar com liberdade, como filhos que se aproximam do Pai (Rm 8:15; Mt 6:9).
Conclusão
João 1:12-13 revela que a maior dádiva de Deus não é apenas o perdão, mas o relacionamento restaurado com o Pai. Somos filhos, não por sangue ou vontade humana, mas porque fomos regenerados por Deus. A adoção espiritual é a coroa da salvação, a âncora da identidade cristã e o trilho da santidade. Na Escola Dominical, essa verdade deve ser celebrada, ensinada e vivida com profundidade e alegria. Afinal:
“Vede quão grande amor nos tem concedido o Pai: que fôssemos chamados filhos de Deus.” (1 João 3:1)